Wolfgang Schadewaldt traduz ἀρετή [arete] por «Bestheit». A origem etimológica de αρ está presente em ἄριστον [ariston], o superlativo de ἀγαθόv [agathon]. «In diesem Sinne bezeichnet es die höchste Qualität von etwas.» «Ich habe mir darum erlaubt, für meinen Privatgebrauch das Wort ‘Bestheit’ zu bilden.» Cf. W. Schadewaldt, Die Anfänge der Philosophie bei den Griechen, pp. 75-76. Cf. também Krämer, Der Begriff ἀρετή bei Platon und Aristoteles, p. 39; Dodds, Gorgias, p. 334, que traduz por «excellence», e Terence Irwin, Plato Gorgias. Translated with Notes, Clarendon Press Oxford, 1979, 1982, p. 219. Esta tradução tem em vista a essência da coisa mais do que a habitual «virtude» (sc., Tugend). [CaeiroArete:27]
Quando uma excelência está presente [Górgias, 506d], em virtude de uma ordenação, cada coisa obtém a possibilidade de se tornar autenticamente nela própria, isto é, de se realizar plenamente. Há uma excelência do artefato (σκεῦος [skeuos]), do corpo vivo (σῶμα [soma]), da existência humana (ψυχή [psyche]), de todo o ente vivo (ζῶον [zoon]) que é estruturalmente a mesma, a despeito da heterogeneidade das entidades que possa constituir. Em cada ente reluz um mesmo εἶδος [eidos] que se constitui não por acaso, mas pela presença de três elementos intrínsecos, a ordenação, a correção e a capacidade de produção que é doada a cada um deles. [Gór., 506d5. Krämer: «Die Grundlegung des Gorgias bestimmt die Arete aller Dinge ais Ordnung (κόσμος, τάξις) der Teile eines Ganzen. Jede Gattung von Gegenständen hat ihre spezifische Ordnung, den ὀικεῖος κόσμος, der ihre Seiendheit ausmacht» (p. 121). Cf. também André Rivier, Les Horizons Métaphysiques du «Gorgias» de Platon, Collection des Études de Lettres, Librairie de l’Université, Lausanne, F. Rouge & Cie, S. A., 1948: a ἀρετή «s’agit des qualités par lesquelles une chose ou un être est peinement ce qu’il est, réalisant ainsi la perfection de sa nature. […] elle nait d’un effort intelligent, d’un art capable d’engendrer en chaque objet l’ordre qui lui est propre et les heureuses dispositions qui en résultent» (pp. 15-16).] [CaeiroArete:28]
Tal como no Górgias, podemos apurar aqui vários horizontes de manifestação da arete. Pergunta-se pela arete do animal (por exemplo, do cavalo), pela areté do apetrecho. Pergunta-se, por exemplo, pelo instrumento de corte que desempenha melhor a função específica de cortar um cacho de uvas (se a μαχαίρα [machaira], a σμίλη [smile] ou ο δρεπάνος [drepanos]), pela arete dos olhos e pela arete dos ouvidos mas também pela areté da vida (618b7), pela da alma e em geral pela ἀρετή ἑκάστου πράγματος [arete ekastou pragmatos]. Há um destaque para a articulação ἔργον-ἀρετή-κακία [ergon–arete–kakia]. [CaeiroArete:35]
A excelência (ἀρετή) é o que «organiza e ordena» cada coisa, isto é, o que permite desenvolver, máxima e otimamente, as potencialidades específicas de cada coisa. Ao fazer-se a pergunta sobre a excelência (ἀρετή) humana no horizonte da situação especificamente humana (πρᾶξις), temos em conta o fato de nos movimentarmos na compreensão implícita de que é pela tematização do modo como nas mais diversas situações age o humano que podemos chegar à resposta pela pergunta sobre como é que elas podem ser «organizadas e ordenadas» [Cf., por exemplo, Banquete, 180e4-181a6. Aqui, a πρᾶξις corresponde a um determinado «sentido» que é neutro relativamente à «excelência» e à «perversão» que a podem qualificar. Quer dizer, nas mais diversas situações que criamos como «beber», «cantar» e «conversar» nada há nelas de «belo». Para apurarmos ο καλόν [kalon] de uma determinada πρᾶξις é necessária uma outra ordem de considerações. Este sentido só é apurado no modo como numa situação é feita. Se ο πραττόμενον [prattomenon] é κακῶς καί ὀρθῶς [kakos kai orthos], então, καλόν γίγνεται [kalon gignetai]. Se, todavia, é μὴ ὀρθῶς [me orthos], então o resultado do que é feito é αἰσχρόν [aischron]. Se se tiver em consideração «apenas» o «passar por uma situação» (criando-a, ou nela caindo), descura-se o modo como por ela se passa, se é belo ou não (181b5).] de uma forma excelente. Este horizonte prático a ser tematizado tem de ser sistematicamente contraposto ao horizonte «natural». A excelência (ἀρετή) não corresponde só à realização de uma possibilidade natural, ao tornar em realidade as potencialidades de que cada um dos humanos naturalmente dispõe, mas antes corresponde à eclosão de uma possibilidade que não está ao nosso dispor, não sendo, por assim dizer, de modo nenhum natural. [CaeiroArete:65]