eu transcendental

(in. Transcendental Ego; fr. Moi transcendental; al. Transzendentales Ich; it. Io trascendentale).

O mesmo que Eu absoluto (v. Eu). [Abbagnano]


Elevado o campo fenomenológico à ordem essencial, nem por isso se pode afirmar que a epoché tenha alcançado a realização plena. É certo que o mundo material, as esferas ideais da ciência, compreendendo a lógica e a matemática — a mathesis universalis — , Deus, já se encontram «fora de circuito». Chegados a este ponto, mesmo depois de feita a chamada redução eidética, só podemos afirmar que se encontra concluído o processo da epoché psicológica ou da tese psicológica da epoché. Estabelecendo um paralelo com o pensamento de Descartes, podemos afirmar que nas primeira e segunda meditações metafísicas se desenvolve um processo redutivo em que, graças ao descobrimento de uma atitude dubitativa, se alcança o cogito indubitável e que mutatis mutandis podemos comparar esse processo à fase husserliana da epoché psicológica. Na verdade esta não põe ainda entre parêntesis» a existência «natural» ou «mundana» do eu, nem dos seus atos ou vivências, que por isso conservam ainda um caráter psicológico. É que o mundo natural não é apenas o mundo exterior. Eu sou também uma realidade concreta mundana. Em novo grau de reflexão devo orientar a mente para mim mesmo e para a minha imanência. Se quero atingir o terreno firme das evidências apodíticas tenho que pôr também em suspenso a própria existência do eu e dos seus atos. Deste modo atinjo o eu absoluto, o eu transcendental e, com ele, o terreno genuinamente filosófico. «A epoché fenomenológica reduziu o meu eu natural e humano e a minha vida psíquica — lê-se nas Meditações Cartesianas — ao meu eu transcendental fenomenológico, campo da auto-experiência transcendental fenomenológica».

«A fenomenologia põe fora de circuito a realidade da natureza, mesmo a realidade do céu e da terra, dos homens e dos animais, do próprio eu e do eu alheio, mas retém, por assim dizer, a alma, o sentido de tudo isso», afirma Husserl num texto inédito de lições de 1909. Esse sentido, esse valor de ser, é haurido de mim mesmo, eu transcendental.

NOTA: Manuscrito FI 17, pp. 75-76. Citado em J. Fragata, A filosofia de Husserl como fundamento da filosofia. Braga, 1959, pp. 113, nota 92. A existência, que o fenomenólogo põe fora de circuito, é uma «crença» (Glauben) em que repousa a atitude natural e de que é protótipo o modo de existência que atribuímos à coisa material. Executada a redução, a existência eliminada mantem-se presente na consciência reduzida, mas apenas qua cogitatum. Cf. H. L. Van Breda, L’itineraire husserlien de la Phénomenologie pure à la phénoménologie transcendentale, Die Welt des Menschen — Die Welt der Philosophie, Festschrift für Jan Patocka, herausgegeben von Walter Biemel und dem Husserl-Archiv zu Löwen, «Phaenomenologica, 72», Den Haag, M. Nijhoff, 1976, pp. 309 e segs.

Este domínio da experiência, para ser investigado, deve revelar uma certa estrutura. Ora Husserl interpreta fenômeno (Phänomen) como aquilo que possui a dupla significação de aparência (Erscheinung) e o que aparece (Erscheinendes) e é absolutamente dado; esta significação dupla introduz uma primeira distinção. A consciência, que a qualquer nível fenomenológico é sempre definida como intencional, como consciência de, está agora absolutamente dada; o de é também dado absolutamente, correspondendo-lhe um cogitatum indubitável, por se dar na imanência do cogito. Assim, pode o campo da investigação transcendental resumir-se no esquema egocogito — cogitatum, em que estes três elementos se dão em unidade. [Morujão]