A ética medieval não começou com a difusão da Ética de Aristóteles. A reflexão patrística sobre o mal e o pecado alimentou toda uma teologia da moral que encontrou uma expressão filosófica desde o Scito te ipsum de Abelardo. A ética medieval também não se contentou em assimilar Aristóteles; ela desenvolveu para si a moral filosófica e a concepção aristotélica da felicidade. Sem nunca ter sido dominante, essa tentativa existiu suficientemente para ser expressamente condenada em 1277. Nascida na faculdade de artes, a corrente que alimentou a exaltação da vida filosófica como tal pode ser chamada de “aristotelismo radical”, mas também de “aristotelismo ético”. Este se define pelo encontro de uma psicologia filosófica particular — a teoria do intelecto do peripatetismo greco-árabe — posta a serviço da interpretação da significação ética e metafísica da contemplação filosófica — a “sabedoria teorética” de Aristóteles.
A posição filosófica do aristotelismo ético é a posição do valor incondicionado da filosofia como vida ética perfeita e realização da própria essência da humanidade do homem, da qual o pensamento é a perfeição própria e última. Contrariamente ao que diz Tomás de Aquino com sua doutrina da beatitudo imperfecta, as palavras de Aristóteles — “bem-aventurados como homens” (1101a, 19-21) — não significam que a felicidade desta vida realiza imperfeitamente o conceito de uma felicidade reservada à pátria celeste, mas antes que ela “realiza perfeitamente o conceito de uma felicidade humana, tal como esta é possível a homens, nesta vida” (R. A. Gauthier). Essa felicidade perfeita é a contemplação filosófica., o conhecimento metafísico de Deus e das substâncias separadas, que, só ela, pode “apaziguar (quie-tare) o intelecto do homem”. A convergência da ética, da metafísica e da psicologia define o espaço de um humanismo aristotélico. no qual, de modo muito surpreendente, se inscrevem figuras tão diversas quanto Alberto Magno, Mestre Eckhart, Gilles de Orléans ou João de Jandun. Mesmo se as censuras de 1277 condenam proposições como “os únicos sábios do mundo são os filósofos” (prop. 154) e “não há estado mais excelente do que consagrar-se à filosofia” (prop. 40), a reivindicação do “filosofar” não é, entretanto, apenas a manifestação das pretensões de um corpo social, os magistri artium, é também a marca da mística especulativa dominicana do século XIV. O “filósofo” é certamente um intelectual, mas no sentido preciso de que ele é o homem do intelecto e de que a intelectualidade é o destino do homem fundado em sua essência. É “filósofo todo homem que vive segundo a ordem verdadeira da natureza, e que conquistou o fim melhor e mais elevado da vida humana” (Boécio de Dácia, De summo bono, § 31): esse programa não diz respeito apenas aos mestres.
Como sublinhará Dante, a vida segundo o intelecto é “o fim de toda sociedade humana” (De monarchia, I, 3, 1). Essa perfeição que reside no “existir capaz de apreender por meio do intelecto possível”, sendo uma operação, o pensamento “ao qual não pode chegar um só indivíduo, nem uma só família, nem uma só aldeia, nem uma só cidade, nem um só reino particular”, se dirige à humanidade inteira (I. 3. 4-6), por intermédio dos “homens segundo o intelecto”.
Se o modelo da vida filosófica acaba por elogiar a monarquia temporal — longínquo eco da celebração do Imã-filósofo por al-Farabi, que a Divina Comédia redescobre, a seu modo, na figura histórica concreta do imperador Frederico II, se o aristotelismo ético se realiza em Dante na “politização do aristotelismo” (R. Imbach), ele se realiza também mais geralmente na questão do fim do pensamento e do destino intelectual do homem. Uma questão que transcende a própria distinção entre a filosofia e a teologia, o acaso dos nascimentos (judeu, árabe, latino), a oposição dos estados (clérigo, leigo) e a rigidez dos discursos.
É a isto que chamaremos o espírito da filosofia medieval. [Alain de Libera]