A questão das relações entre ética e natureza se inscreve no contexto geral do seguinte problema: há uma ética filosófica? É a partir de uma reflexão sobre esse problema fundamental que ela deve ser elucidada. Ora, importa observar que há duas maneiras de se conceber uma ética filosófica:
a) pode tratar-se de um esforço, tendo em vista caracterizar a dimensão ética da existência;
b) pode tratar-se também de um esforço, tendo em vista determinar o conteúdo próprio dessa dimensão, sob a forma de princípios de conduta.
A primeira perspectiva pode ser ilustrada pela reflexão kantiana sobre a razão prática, pelo menos, segundo uma interpretação que se apresenta como bastante natural e plausível. Esta reflexão opera em dois níveis: de um lado, visa determinar o que há de específico na ética; do outro, tenta tornar manifestas as condições, tornando possível uma ascendência efetiva da ordem ética sobre a ordem dos fenômenos. Mas essa reflexão culmina também na formulação de certos princípios que, por mais formais que sejam, não deixam de ser apresentados como capazes de fundar critérios desprovidos de ambiguidade para a determinação da conduta efetiva. O que nos indica que não podem ser separados os dois aspectos do problema. Não nos é possível dar um sentido preciso à ética, como dimensão, sem determinar, pelo menos, seu conteúdo essencial; e essa determinação é feita sob a forma de princípios. Reciprocamente, uma reflexão sobre a natureza dos princípios constitutivos da ordem ética deve, necessariamente, levar a uma determinação da ética como dimensão. Adotaremos, aqui, esse tipo de reflexão.
Os princípios que uma ética filosófica deveria se dar por tarefa estabelecer, devem ter uma dupla característica: a universalidade e a capacidade de determinar concretamente a ação. O alcance universal dos princípios éticos provém do fato de se darem ao pensamento como especificação prática do “razoável”; e o razoável é aquilo que se determina em conformidade com a razão; e isto, pelos meios da própria razão. Na verdade, as duas modalidades fundamentais da razão intervêm nessa determinação. [Ladrière]