Todavia, o privilégio metódico da intuição de essência não significa de forma nenhuma para Husserl a eliminação da evidência da coisa individual como tal. E isso em dois planos: primeiro porque a essência não pode ser «adquirida» senão na base de uma percepção, de uma intuição que incida sobre o indivíduo. A essência «vermelho» exige a aparição do «momento» vermelho de uma coisa; a essência «cinco» a de uma coleção, etc. A essência é «fundada», não plana acima das coisas «reais». Por outro lado, como intuição de essência não é uma «experiência», não pode substituir a experiência como se se tornasse o interesse único de uma ciência pura orientada sobre as «ontologias regionais». Pelo contrário, para Husserl, e isto em todas as etapas da sua reflexão, o interesse teórico reporta-se sempre à coisa existente na sua individualidade e no modo irredutível da sua aparição. E a esta coisa que se referem, em última análise, as Recherches Logiques de 1900, assim como a Logique de 1928, o privilégio da intenção perceptiva é que ela apresenta o próprio objeto (Re-cherche VI); «As verdades e as evidências primeiras em si devem ser as verdades e evidências individuais… Os indivíduos são dados pela experiência, pela experiência no sentido primeiro, no sentido mais forte que se define precisamente como referência directa ao individual» (Logique, p. 278).
A coisa percebida, o indivíduo na sua irredutibilidade de ser, dados na experiência, são portanto o objeto originário da fenomenologia. Mas compreender-se-á que o retorno ao vivido da evidência depois do desvio pela essência não é senão a explicitação do que está já implicado na essência da evidência, isto é, do preenchimento. A presença «corporal» ou «em pessoa» da coisa releva das propriedades eidéticas da coisa com o seu sentido de coisa. A atividade inicial da experiência é originária por necessidade de essência (Logique, p. 370). [Schérer]