espécie

(gr. eidos; lat. Species; in. Kind, Species; fr. Espèce; al. Ari, Species; it. Specie).

Espécie (eidos, species) é a essência completa de um ente, enquanto comum a muitos indivíduos. Platão concebia a espécie como uma ideia por si subsistente, supra-sensível, da qual participam as coisas individuais sensíveis (participação). Pelo contrário, segundo Aristóteles, a essência específica está entranhada nas coisas individuais do mundo sensível, sendo a essência, enquanto tal (como universal) apenas um conceito. O conceito de espécie (p. ex., homem) distingue-se do conceito de gênero (p. ex., ser sensitivo), em que este, omitindo a diferença específica (p. ex., racional), manifesta a essência só de um modo conceptualmente indeterminado, ao passo que o conceito de espécie, formado de gênero e diferença, apresenta a essência total. — A definição perfeita procura demarcar com exatidão o conceito de espécie assim entendido. As diferenças entre os indivíduos, compreendidos sob a mesma espécie, referem-se, segundo a teoria clássica, somente a caracteres ou notas não essenciais (acidentais), ao passo que espécies diversas se diferenciam por formas substanciais (forma) diversas. Enquanto nos ativermos a este conceito de espécie rigorosamente ontológico, só é possível determinar com certeza um reduzido número de espécies. Assim, por exemplo, não é espécie neste sentido a espécie biológica, tal como vem sendo entendida desde Lineu. As espécies biológicas são os grupos situados na escala inferior dos vegetais e animais, que se diferenciam entre si por características notórias, não obliteradas por formas intermédias e conservadas hereditariamente. Abaixo destas espécies estão as variedades e as raças. Na realidade, porém, muitas vezes se obliteram os limites entre espécie e variedade. Em grande parte, é meramente convencional o considerar, ou não considerar, umas diferenças como “importantes” ou essenciais. Em conclusão, é possível formular um conceito de espécie, puramente lógico, que em si inclua as notas características que hic et nunc o classificador considera essenciais para o fim que tem em mira. VIDE essência, evolucionismo, predicáveis, tipo. — Santeler. [Brugger]


Depois de Platão e, sobretudo, depois de Aristóteles, examinou-se a noção de espécie quer lógica, quer metafisicamente. Do ponto de vista lógico, a espécie é uma classe subordinada ao gênero e sobreposta aos indivíduos. Do ponto de vista metafísico, a espécie é um universal, levantando-se então relativamente a ela todos os problemas suscitados pelos universais. Os dois pontos de vista aparecem muitas vezes confundidos, especialmente quando se insiste no processo platônico da divisão e se supõe que a hierarquia lógica tem o seu paralelo exato numa hierarquia ontológica.

Noutro sentido, chama-se espécies às cópias que, por assim dizer, os objetos externos enviam para a alma para a sua compreensão. A espécie é, na terminologia escolástica e especialmente na tomista, a imagem que a alma faz de um objeto, chamando-se espécie inteligível à ideia geral que o entendimento ativo forja à base das imagens sensíveis. As espécies representam o intermediário entre o sujeito e o objeto, mas isso não significa que a alma se limite a um conhecimento das espécies e exclua sempre o objeto transcendente. Pelo contrário, o realismo gnoseológico da escolástica afirma decididamente a possibilidade do conhecimento direto das coisas. [Ferrater]


1. Conceito que é parte ou elemento de outro conceito. Nesse sentido, essa palavra foi comumente empregada por Platão (cf Sof, 235 d, Teet., 178 a etc), por Aristóteles (Met, X, 7, 1057 b 7; Cat. 2 b 7, etc.) e ilustrada em Isagoge de Porfírio, que lhe dá a seguinte definição: “A espécie é o que se situa sob o gênero e a que o gênero é atribuído essencialmente”. E acrescenta: “A espécie é o atributo que se aplica essencialmente a uma pluralidade de termos que diferem especificamente entre si”, observando-se, porém, que esta última definição só se aplica à “espécie especialíssima”, que precede imediatamente o indivíduo, como p. ex. o conceito de homem (Isag., 4, 10 ss.). Nesse sentido o conceito de espécie permaneceu inalterado em toda a lógica tradicional, até que, com a afirmação da lógica matemática, foi substituído pelo conceito de classe.

No domínio da biologia, durante algum tempo esse termo teve um significado correspondente ao descrito, entendendo-se por espécie um tipo biológico bem definido por características hereditárias e subordinado a um outro tipo mais amplo (gênero). Mas na biologia contemporânea os conceitos de gênero e espécie deixaram de referir-se aos significados tradicionais, e por espécie entende-se simplesmente uma classe de indivíduos cujos acasalamentos produzem indivíduos férteis, o que não ocorre com híbridos nascidos de acasalamentos entre indivíduos pertencentes a espécie diferentes (C. Pincher, Evolution, 1950, p. 21; Kalmus, Variation and Heredity, 1957, p. 29).

2. O mesmo que ideia no sentido platônico (v. ideia).

3. O mesmo que forma no sentido aristotélico (v. forma).

4. Em relação ao significado 3 e na linguagem da escolástica medieval, a espécie é intermediária do conhecimento, ou seja, o objeto próprio da sensibilidade ou do intelecto, enquanto forma que a sensibilidade ou o intelecto abstrai das coisas. Essa doutrina foi expressa com toda a clareza por Tomás de Aquino, que, comentando o trecho do De anima (III, 8, 431 b 21), em que Aristóteles diz que “a alma é de certo modo todas as coisas”, observa: “Se a alma é todas as coisas, é necessário que ela seja as próprias coisas, sensíveis ou inteligíveis — no sentido da afirmação de Empédocles, de que conhecemos a terra com a terra, a água com a água, etc. — ou então que ela seja as espécies. Mas por certo a alma não é a coisa, pois, p. ex., na alma não há as pedras, mas a espécie da pedra”. Ora, a espécie é a forma da coisa. Logo, “o intelecto é a potência receptiva de todas as formas inteligíveis e o sentido é a potência receptiva de todas as formas sensíveis” (cf. também S. Th., I, 2. 84 a, 2). A doutrina da espécie ou, como também se diz, da similitude, como intermediária entre o objeto e a potência cognoscitiva humana, predomina durante o período clássico da escolástica: é aceita por Boaventura (In Sent., II, d. 39, a. 1, q. 2) e por Duns Scot (Op. Ox., I, d. 3, q. 7, n. 2, 3, 20), mas posta de lado pela escolástica do séc. XIV. Durand de Pourçain (In Sent., II, d. 3, q. 6, n. 10) e Pedro Aureolo (In Sent., I, d. 9, a. 1) negam peremptoriamente a existência da espécie e afirmam que o objeto do conhecimento é a própria coisa. Essa doutrina é veementemente ratificada por Ockham com o argumento de que, se a espécie fosse o objeto imediato do conhecimento, o conhecimento não seria conhecimento do objeto, mas da sua imagem, assim como a estátua de Hércules não levaria a conhecer Hércules, nem permitiria julgar da sua semelhança com ele se não se conhecesse o próprio Hércules (In Sent., II, q. 14, T). O ponto de vista que permitiu que esses escolásticos abandonassem a noção de espécie foi o da intencionalidade do conhecimento, segundo a qual o ato de conhecer é uma relação com o objeto em pessoa. Todavia, a doutrina cartesiana da ideia como objeto imediato do conhecimento pode ser considerada, sob certos aspectos, a retomada da noção escolástica da espécie (v. ideia). [Abbagnano]