enunciações simples

A enunciação simples constitui o tipo normal de atividade da segunda operação do espírito; as outras espécies de enunciação são modos derivados, e supõem sempre em sua base a simples atribuição. As enunciações simples são constituídas de um predicado, que com a cópula-verbo tem a função de forma determinante, e de um sujeito. Dividir-se-ão as enunciações simples, seja sob o ponto de vista da forma (divisão essencial), seja sob o ponto de vista da matéria, (divisão dita acidental).

Sob o ponto de vista da forma ou da qualidade, as enunciações simples se dividem em afirmativas e negativas. Eu comparo o predicado e o sujeito, e se vejo que eles se convêm na realidade, afirmo sua ligação: “o homem é um animal”; se vejo, ao contrário, que eles não se convêm, nego que haja ligação: “o homem não é um puro espírito”. Note-se que, do lado do espírito, há igualmente nos dois casos uma aproximação, uma ligação dos dois termos presentes; na realidade, é sobre a relação objetiva que se porta a afirmação ou a negação.

Sob o ponto de vista da matéria ou do sujeito, distingue-se principalmente, o que corresponde à divisão paralela dos termos, as proposições universais “todo homem é mortal”, particulares, “algum homem é filósofo”, singulares “Pedro é filósofo”, e indefinidas “o homem é mortal”. Estas últimas proposições não são evidentemente utilizáveis em lógica, senão na medida em que podem ser reduzidas a um dos tipos precedentes.

Sob o ponto de vista da cópula ou do verbo, pode-se ainda estabelecer distinções secundárias:

– Enunciações necessárias, quando a ligação afirmada é necessária: “o homem é capaz de rir”, contingentes, se a ligação é contingente: “.`Pedro é músico”; impossíveis, se ela é impossível: “Pedro é um anjo”. A modalidade da afirmação não estando ainda explicitamente expressa, ainda não se trata, em nenhum destes casos, de verdadeiras proposições modais.

– Enunciações no passado, no presente ou no futuro, segundo o tempo em que esteja o verbo: se são verdadeiras, tais enunciações serão sempre verdadeiras. Todavia, aquelas que dizem respeito a um futuro contingente, “o mundo acabará em mil anos” são um caso especial sobre o qual voltaremos a falar.

Aplicação lógica dessas divisões. – Em lógica interessam especialmente as enunciações necessárias (as únicas que podem entrar em raciocínios rigorosamente científicos) e, sob o ponto de vista da quantidade, as universais e as particulares. As singulares, quanto às suas propriedades lógicas, podem ser praticamente assimiladas às universais. Estes são, portanto, os principais tipos de proposições estudadas, considerando-se sua distinção em afirmativas e negativas:

A. Universais afirmativas: “todo homem é animal
B. Universais negativas: “nenhum homem é anjo
C. Particulares afirmativas: “algum homem é filósofo
D. Particulares negativas: “algum homem não é filósofo”.

A acepção dos termos sendo, como o vimos, dependente da forma especial das diversas proposições, cada um dos tipos que acabamos de distinguir impõe ao sujeito e ao predicado condições particulares no que concerne sua compreensão e sua extensão.

O sujeito é, regra geral, tomado em toda a sua compreensão, manifestando-se sua extensão pelas partículas: todo, nenhum, algum etc.

As regras relativas ao predicado são as seguintes. Em toda afirmativa, o predicado é tomado particularmente “todo homem é (algum) animal”; em toda negativa, o predicado é tomado universalmente “algum homem não é (todo) anjo”; em toda afirmativa, o predicado é tomado em toda a sua compreensão “todo homem é (tudo o que é) animal”; em toda negativa, o predicado é tomado somente em uma parte de sua compreensão “algum homem não é (uma parte do que é) filósofo”.

Relações da afirmação com a negação. – A distinção das proposições em afirmativas e em negativas é particularmente importante. Gerando a oposição dita de contradição, é-não é, ela dará lugar ao primeiro princípio da vida do espírito, o princípio da não-contradição. Do mesmo modo estará na base da teoria da oposição das proposições.

Pode-se perguntar quem tem a prioridade: a afirmação ou a negação? Tomás de Aquino (Peri hermeneias, I, 1. 8, n. 3) responde que, sob três pontos de vista, a prioridade cabe à afirmação: sob o ponto de vista da coisa, o esse tem prioridade sobre o non esse; sob o ponto de vista da inteligência, toda divisão pressupõe uma composição; sob o ponto de vista da linguagem, a negação é um sinal que se acrescenta à afirmação e, portanto, é menos simples que ela.

A negação tem entretanto um papel essencial na vida do espírito humano que, não percebendo imediatamente a essência das coisas e sua diferenciação, procede por discriminação progressiva do dado. Ao nível da primeira operação do espírito (ordem dos conceitos), essa discriminação se dá por divisões; no da segunda operação do espírito (ordem do ser concreto), ela se efetua por negações. [Gardeil]