encantamento

36. Se a «coisa» é opacidade, o «símbolo» é transparência, ou trans-aparência, ou ainda, trans-aparição do que as coisas não deixavam transparecer. O drama diabólico do nosso agir quotidiano deixa as coisas como são e como estão; enquanto o drama ritual, ao manipular as «coisas» a seu modo, desencanta-as. Encantado é o solidificado, corpocorpo. O encantamento de anseios ainda mal definidos são instituições bem ou mal regulamentadas, mas regulamentadas, em qualquer dos casos. Encantamento do Eros, com ou sem sexo, é o sexo sem Eros; encantamento da liberdade individual é constituição regendo os deveres da coletividade. Quem poderá distinguir e enumerar tudo quanto a ação premente e urgente tem vindo encantando através dos tempos? Encantamento da criança é o adulto bem firmado em suas convicções. Encantamento do Caos é um Cosmos. Encantamento de todos os «possíveis» são «realidades», e nisto se diz tudo quanto do encantamento «coisístico» se possa dizer. Desencantar as «coisas», quebrar-lhes o encanto, é dissolver-lhes os contornos rígidos, fundir-lhes a solidez de uma morte aparente nas águas santas da metamorfose. É o que faz todo e qualquer drama ritual. É esta a sua razão de ser: primeiro, todas as «coisas» transferir para uma situação ou condição de liminaridade, em que já não são «coisas», mas ainda não são «símbolos»; e depois, mostrar nos símbolos, quando o forem, que o ser-origem das coisas tem suas raízes na Excessividade Caótica do Ser. Por fim, vem o mais difícil, nesta outra forma de contar o mito da Caverna: demonstrar que o caminho percorrido na ascensão não é o do mais concreto para o mais abstrato, portanto, que há um «mais» (e não um «menos») no símbolo, que não havia na coisa, e mais um «mais», no ser-origem, acrescido à coisa que se converteu em símbolo, do [123] que havia no próprio símbolo, e assim por diante, até que se veja claramente visto, por todo o caminho percorrido de cima para baixo, como a Originalidade da Origem de todas as origens que, por sua vez, são origens de todo o originado se vai estreitando de tal modo que, no patamar inferior, se pôde ver no originado-homem a origem de todo o conhecimento de um Mundo fragmentado em «coisas» separadas. [EudoroMito:123-124]