Opunham os escolásticos a distinção à identidade.
O que distingue uma coisa é o não ser outra, portanto, a •carência de identidade com outra.
A primeira classificação entre os escolásticos foi: distinção lógica ou de razão, e distinção real.
Consiste a distinção real (distinctio realis) no que pertence à natureza da coisa, independentemente da operação mental que a capta.
Consiste ela, para os escolásticos, na carência de identidade entre uma coisa e outra, independentemente de qualquer operação mental.
A distinção lógica ou de razão (distinctio lógica ou distinctio rationis) é aquela que se estabelece apenas através de uma operação mental, mesmo quando não há distinção real entre as coisas. Assim podem ser consideradas as distinções entre animalidade e racionalidade, no homem, ou os atributos em Deus.
Há distinção modal (distinctio modalis), quando se distingue, na coisa, esta do seu modo, como já vimos.
A distinção real pode ser: real simpliciter (real–real) também chamada entitativa; modal (modalis); virtual (virtualis).
É real simpliciter quando se refere à distinção própria entre uma coisa e outra coisa.
É real modal, quando se refere à distinção entre uma coisa e o seu modo (a distinção entre um corpo e a sua figura).
É virtual, quando se refere à virtude ou força resistente numa coisa que permite transfundir-se em outra.
Exemplo: A alma humana, apesar de racional, possui virtudes correspondentes ao princípio vital de outros corpos animais.
Classifica-se ainda a distinção em adequada e inadequada.
É adequada a distinção, por exemplo, entre duas partes que formam a metade, cada uma, de um todo; é inadequada, a distinção entre o todo e uma das suas partes.
Há ainda: distinção de razão raciocinante (distinctio rationis ratiotinantis); distinção de razão raciocinada (distinctio rationis ratiotinatae).
A distinção de razão raciocinante é a que se estabelece, pela mente, nas coisas, sem haver fundamento para tal.
A distinção de razão raciocinada é aquela que a mente estabelece nas coisas não realmente distintas, mas em que há algum fundamento na realidade para tal distinção.
Há ainda a distinção metafísica, que é aquela que metafi-sicamente podemos fazer entre categorias ontológicas, como a distinção entre quantidade e qualidade, entre existência e essência. Surge aqui uma grande problemática, como, por ex., o dar-se, ou não, uma distinção metafísica, ao lado de uma distinção real, etc.
Há momentos importantes onde a distinção penetra como elemento primordial, como nos temas de ato e potência, essência e existência, matéria e forma, etc, que em breve analisaremos.
SOBRE A DISTINÇÃO NA ESCOLA TOMISTA
Entre a distinção real e a de pura razão, coloca São Tomás a distinção de razão com fundamento na coisa, sobre a qual raciocina (cum fundamente in re).
A distinção real expressa coisas realmente distintas, independentes de toda consideração de nossa mente, por ex., alma e corpo, no homem.
A distinção de pura razão é a que se dá entre nomes ou conceitos só nominalmente distintos de uma mesma coisa, por ex. João, como sujeito e predicado de uma proposição.
A distinção cum fundamento in re é a que se dá entre objetos formalmente distintos de uma mesma realidade, como animal, racional, espiritual, livre, imortal no tocante ao homem, pois, na essência humana, se identificam todos esses objetos.
Animalidade e racionalidade não significam a mesma coisa, por isso são objetos formais distintos. Fora do homem têm esses objetos realidades distintas, não, porém, no homem. A ação abstraidora do nosso espírito nos permite distinguir tais objetos.
A distinção de razão cum fundamento in re pode ser maior ou menor.
É maior quando os objetos distintos prescindem completamente uns dos outros. O conceito de animal prescinde objetivamente, e de modo completo, do conceito de racional, pois pode dar-se sem ele. A distinção tem um fundamento perfeito.
É menor quando os objetos distintos se incluem como o implícito e o explícito. O conceito de racional é distinto de o de animal, mas, como o inclui, ao tratar-se do homem, é de distinção menor, pois não poder-se-ia dar um homem, que é racional, sem a animalidade que o antecede.
A DISTINÇÃO FORMAL ESCOTISTA
Em “Teoria do Conhecimento”, abordamos por várias vezes os fundamentos epistemológicos da distinção formal escotista, ao estudarmos a “teoria da projeção e a da “abstração total”. Vimos que os correlativos objetivos dos conceitos universais têm de ser distintos, sob pena de cair todo o fundamento do realismo moderado. E essa distinção é dada com anterioridade à atividade abstrativa do espírito humano, portanto é uma distinção ex natura rei.
A distinção meramente formal é combatida por muitos por não poderem enquadrá-la entre a excludência: ou a distinção é real (in re), ou é conceptual, na mente humana. Não há lugar, portanto, para uma distinção formal. Colocada assim a objeção parece muito fácil combater a posição escotista. Ademais é frágil, pois seria excessiva ingenuidade pensar que os escotistas não tivessem meditado sobre este dilema: ou uma coisa tem a sua realidade fora da mente humana ou a tem na mente. Não há lugar para um meio termo.
Mas, primeiramente, antes de se discutir sobre meios termos, é preciso esclarecer o que se compreende por real.
É real o que independe do conhecimento (ex natura rei). Neste caso, não há lugar para mais ou menos, pois estamos em face do que só se coloca dentro de uma excludência. Mas os objetos, por sua índole, distinguem-se em três grupos: res-modus-formalitas. Não cabe dúvida que a modal seja ex natura rei, pois o rodar de uma roda se distingue real-modalmente desta, como veremos ao examinar a teoria das modais.
Para que a distinção formal fosse improcedente era mister reduzi-la à mera distinção conceptual. Como esta pode ser cum fundamento in re ou apenas elaborada pela nossa mente, se as formalidades fossem apenas elaboradas pela nossa mente, cairia, ipso facto, o realismo moderado, e estaríamos afirmando apenas o nominalismo, que, como vimos, na obra citada, actualiza apenas o esquema abstrato-noético e virtualiza os outros, o que o torna, do ângulo dialéctico, uma posição filosófica deficitária. Resta, nesse caso, reduzir a distinção formal à distinção conceptual cum fundamento in re, como o pretendem fazer quase todos os tomistas.
Ora, o fundamento da distinção formal escotista, epistemologicamente, está no realismo, isto é, no conteúdo objetivo que têm os conceitos universais, fundando-se no paralelismo entre a ordem do conhecimento e a ordem do ser. Tal afirmativa não encerra uma contradição interna para ser recusada, pois, como já vimos, na “Teoria do Conhecimento”, o esquema noético-abstrato, que é post rem, é um esquema intentionaliter construído do esquema concreto (in re), que é simbolicamente um referente do esquema essencial (ante rem), na ordem ontológica do ser. Portanto há um paralelismo entre a ordem gnoseológica, a ôntica e a ontológica, o que dá um fundamento à distinção formal escotista, que é real, sem ser uma distinção real ut res et re, pois o esquema concreto é a existencialização da essência, aspecto que será examinado e discutido mais adiante. Assim a animalitas e a rationalitas, no homem, não se distinguem real-fisicamente, mas apenas real-formalmente. [MFS]