destino

O conjunto de eventos que “acontecem” ao homem. — Dependendo de que esses acontecimentos concordem ou não com sua vontade, distingue-se: 1.° a destinação, que é a essência de um indivíduo, a lei de sua personalidade, sua vocação; enfim, uma exigência interior; 2.° o destino, que é o que advém de fora. As tragédias antigas (principalmente as de Ésquilo e o Édipo rei de Sófocles) exprimem uma crença fundamental no “fatum” que rege todas as ações humanas, e pode-se dizer que todo o problema da vida humana é o de reconciliar-se com seu destino (amor fati), de fazer de seu destino sua destinação própria: Édipo cego reencontra a serenidade interior quando reconhece que está bem e que a ordem das coisas foi cumprida. Porque a verdadeira felicidade do homem consiste em poder “se realizar” por ocasião dos acontecimentos que ocorrem: em explorar todos os acontecimentos no sentido de sua vontade e de reconhecer no que lhe acontece o sinal de seu destino. [Larousse]


(gr. eimarmene; lat. fatum; in. Destiny; fr. Destin; al. Geschick, Schicksal; it. Destino).

Ação necessitante que a ordem do mundo exerce sobre cada um de seus seres singulares. Na sua formulação tradicional, esse conceito implica: 1) necessidade, quase sempre desconhecida e por isso cega, que domina cada indivíduo do mundo enquanto parte da ordem total; 2) adaptação perfeita de cada indivíduo ao seu lugar, ao seu papel ou à sua função no mundo, visto que, como engrenagem da ordem total, cada ser efeito para aquilo que faz.

O conceito de destino é antiquíssimo e bastante difundido, porque compartilhado por todas as filosofias que, de algum modo, admitem uma ordem necessária do mundo. Aqui só faremos alusão às que designam explicitamente essa ordem com o termo em questão. O destino é noção dominante na filosofia estoica. Crisipo, Posidônio, Zenão, Boeto o reconheceram como a “causa necessária” de tudo ou a “razão” pela qual o mundo é dirigido. Identificavam-no com a providência (D.L., VII, 149). Os estoicos latinos retomam essa noção e apontam seus reflexos morais (Sêneca, Natur. quaest, II, 36, 45; Marco Aurélio, Memórias, IX, 15). Segundo Plotino, ao destino que domina todas as coisas exteriores só escapa a alma que toma como guia “a razão pura e impassível que lhe pertence de pleno direito”, que haure em si, e não no exterior, o princípio de sua própria ação (Enn., III, 1, 9). Para Plotino, a providência é uma só: nas coisas inferiores chama-se destino; nas superiores, providência (ibid., III, 3, 5). De modo análogo, para Boécio (que com a Consolação da filosofia transmitia esses problemas à escolástica latina), destino e providência só se distinguem porque

a providência é a ordem do mundo vista pela inteligência divina e o destino é essa mesma ordem desdobrada no tempo. Mas no fundo a ordem do destino depende da providência (Phil. cons., IV. 6,10). O livre-arbítrio humano subtrai-se da providência e do destino só porque as ações a que dá origem se incluem, exatamente em sua liberdade, na ordem do destino (Ibid, V, 6). Essa solução deveria inspirar todas as soluções análogas da escolástica, que conserva o mesmo conceito de destino e de providência (cf., p. ex., Tomás de Aquino, S. Th., I, q. 116, a. 2). Em sua Teodiceia, Leibniz repropunha a mesma solução (Théod., I, § 62).

Na filosofia do Romantismo, enquanto Schopenhauer considera o destino como ação determinante, no homem e na história, da Vontade de vida na sua natureza dilacerante e dolorosa (Die Welt, II, cap. 38), Hegel limita o destino à necessidade mecânica. “À potência”, diz ele, “como universalidade objetiva e violência contra o objeto, dá-se o nome de destino: conceito que se inclui no mecanicismo porquanto o destino é chamado de cego, ou seja, sua universalidade objetiva não é conhecida pelo sujeito em sua propriedade ou particularidade específica” (Wissenschaft der Logik, III, II, 1, B, b; trad. it., III, p. 199). Nesse sentido, o destino é a própria necessidade racional do mundo, mas enquanto ignorante de si mesma e, portanto, “cega”. Mas durante esse mesmo período, do ponto de vista de necessidade “puramente racional”, tanto interpretada como dialética, quanto como determinismo causal, a palavra destino começou a parecer fantástica ou mítica demais para designar essa necessidade. Foi então abandonada e substituída por termos que exprimem a natureza objetiva e causal da necessidade, como p. ex. necessidade, dialética, determinismo, causalidade; no domínio da ciência, é regida pelas “leis eternas e imutáveis da natureza”.

Quando a palavra destino volta, em Nietzsche e no existencialismo alemão, tem novo significado: exprime a aceitação e a volição da necessidade, o amor fati. Nietzsche foi o primeiro a expressar esse conceito tão característico de certa tendência da filosofia contemporânea. Ele interpreta a necessidade do devir cósmico como vontade de reafirmação: desde a eternidade o mundo aceita-se e quer-se a si mesmo, por isso repete-se eternamente. Mas o homem deve fazer algo mais que aceitar esse pensamento: deve ele próprio prometer-se ao anel dos anéis. “É preciso fazer o voto do retorno de si mesmo com o anel da eterna bênção de si e da eterna afirmação de si; é preciso atingir a vontade de querer retrospectivamente tudo o que aconteceu, de querer para a frente tudo o que acontecerá” (Willezur Macht, ed. 1901, § 385). Esse é o amorfati, no qual Nietzsche vê a “fórmula da grandeza do homem”. Heidegger não fez senão exprimir o mesmo conceito ao falar do destino como decisão autêntica do homem. destino é a decisão de retornar a si mesmo, de transmitir-se a si mesmo e de assumir a herança das possibilidades passadas. “A repetição é a transmissão explícita, ou seja, o retorno a possibilidades do ser-aí que já foram” (Sein und Zeit, § 74). Nesse sentido, o destino é “a historicidade autêntica”: consiste em escolher o que já foi escolhido, em projetar o que já foi projetado, em reapresentar para o futuro possibilidades que já foram apresentadas. É, em outros termos, a vontade da repetição, o reconhecimento e a aceitação da necessidade. Esse conceito volta em Jaspers, que, no entanto, expressa-o com referência à identidade estabelecida entre o eu e sua situação no mundo. O destino é a aceitação dessa identidade: “Amo-o como me amo porque só nele estou cônscio de meu existir”. Aqui também o destino nada mais é que a aceitação e o reconhecimento da própria natureza da necessidade, que, para Jaspers, é a identidade do homem com sua situação (Phil, II, p. 218 ss.). Essa última noção de destino exprime bem certas tendências da filosofia contemporânea. Na origem de sua longa tradição, essa noção implicava: 1) uma ordem total que age sobre o indivíduo, determinando-o; 2) o indivíduo não se apercebe necessariamente da ordem total nem de sua força necessitante: o destino é cego. O conceito contemporâneo eliminou ambas as características. Para ele: 1) a determinação necessitante não é a de uma ordem (nem mesmo para Nietzsche), mas a de uma situação, a repetição; e 2) o destino não é cego porque é o reconhecimento e a aceitação deliberada da situação necessitante. [Abbagnano]