(in. Deism, fr. Déisme; it. Deísmo).
Doutrina de uma religião natural ou racional não fundada na revelação histórica, mas na manifestação natural da divindade à razão do homem. O deísmo é um aspecto do Iluminismo, de que faz parte integrante. Mas as discussões em torno do deísmo foram iniciadas pelos chamados platônicos de Cambridge, especialmente por Herbert de Cherbury em sua obra De Veritate (1624). Entre os outros deístas ingleses devem ser lembrados os nomes de John Toland, Mathew Tindal, Anthony Collins, Anthony Shaftesbury. A obra principal do deísmo inglês foi Cristianismo sem mistérios (1696) de John Toland (1670-1722). O deísmo difundiu-se fora da Inglaterra como elemento do Iluminismo: são deístas quase todos os iluministas franceses, alemães e italianos. Nem todos, porém, usam a palavra deísmo para designar suas crenças religiosas: Voltaire, p. ex., usa a palavra “teísmo” (Dictionnaire philosophique, 1760, art. Athée, Théiste). Mas foi Kant que estabeleceu claramente a distinção.
As teses fundamentais do deísmo podem ser recapituladas assim: 1- a religião não contém e não pode conter nada de irracional (tomando por critério de racionalidade a razão lockiana e não a cartesiana); 2- a verdade da religião revela-se, portanto, à própria razão, e a revelação histórica é supérflua; 3- as crenças da religião natural são poucas e simples: existência de Deus, criação e governo divino do mundo, retribuição do mal e do bem em vida futura.
Note-se, porém, que em relação ao conceito de Deus nem todos os deístas estavam de acordo. Enquanto os deístas ingleses atribuem a Deus não só o governo do mundo físico (a garantia da ordem do mundo), mas também o do mundo moral, os deístas franceses, a começar por Voltaire, negam que Deus se ocupe dos homens e lhe atribuem a mais radical indiferença quanto ao seu destino (Traité de métaphysique, 9). Todavia, a “religião natural” de Rousseau é uma forma de deísmo mais próxima da inglesa porque atribui a Deus também a tarefa de garantir a ordem moral do mundo. Em todo caso, o que há de peculiar ao deísmo, em relação ao teísmo, é a negação da revelação e a redução do conceito de Deus às características que lhe podem ser atribuídas pela razão. Essa é a distinção estabelecida entre deísmo e teísmo por Kant (Crít. R. Pura, Dialética, cap. III, seç. VII). (Abbagnano)
Uma das notas características do Iluminismo e dos iluministas é a secularização da razão. Com o slogan “Atreva-se a pensar”, “Abandone a menoridade”, o Iluminismo rompe o equilíbrio entre fé e razão e sua tensão dialética. Mediante um processo redutivo da fé ao racional, realiza o postulado e a exigência da progressiva e total secularização da vida humana mediante a dessacralização.
A concepção religioso-teológica do mundo dominante no Ocidente até o séc. XVII manti-nha-se e elevava-se sobre a relação homem-Deus. Deus constitui o centro, origem e princípio de determinação do sentido do mundo. Temos assim o teocentrismo. Da mesma maneira, o sentido da humanidade e da história é estabelecido e regido por Deus providente (providência). Finalmente, o destino último do homem, o fim da providência e o “eschaton” da história se somam na salvação sobrenatural e eterna do homem, realizada por e com a graça de Deus: Redenção divina, religião positiva, cristianismo.
O Iluminismo ou “razão secularizada” dá uma interpretação radicalmente oposta a tais questões. No teocentrismo, estarão a natureza e o homem como centro e ponto de referência. A providência será substituída pelo progresso contínuo e sem limites da razão e da humanidade. Na redenção sobrenatural — religião revelada, cristianismo histórico — impor-se-á a salvação da situação infeliz do homem, que ele próprio deverá procurar com o trabalho e na história. Temos, pois, uma Redenção horizontal, no marco exclusivo do tempo e da história.
Essa secularização da razão mantém, no entanto, o reconhecimento do divino, assim como uma peculiar interpretação da religião. É necessário que a verdadeira religião seja racional: “Enquanto não nos guiemos pela razão — diz Locke — , disputaremos em vão, e em vão tentaremos convencer-nos mutuamente em assuntos da religião”. Nasce assim o conceito de religião natural e de “deísmo”. Somente é verdadeira a religião da razão. A razão é a norma e o critério último da verdade e da religião.
A religião natural, proclamada pelo Iluminismo, vai unida uma luta contra os milagres e as profecias, os ritos e os dogmas. E, principalmente, se fará uma crítica implacável da religião positiva, do cristianismo estabelecido no Ocidente. Em nome da “religião natural” se derrubarão as barreiras entre a religião e a moral. A religião consistirá no conhecimento dos deveres ou mandatos morais, e sua atividade ou exteriorização não será mais do que a ação simplesmente ética. Puro moralismo, baseado nas palavras de Voltaire: “Entendo por religião natural os princípios da moralidade comuns à espécie humana” (Dic. de filósofos).
O “deísmo” expressa as exigências da razão iluminada e concretiza os princípios da religião natural. O conceito de “deísmo” foi moldado pelos ingleses John Toland em sua obra Cristianismo sem mistérios e M. Tindal, em O cristianismo tão velho como a criação. Foi, em especial, Voltaire quem formulou as notas ou teses gerais do deísmo. Reduzidas a sua mínima expressão, são as seguintes: a) Deus existe e é autor do mundo, b) Não é possível determinar a natureza e os atributos de Deus. c) Deus não criou o mundo livremente, mas por necessidade. Em consequência, Deus não é responsável pelo mal. d) Não há lugar para a providência divina, pois a ação de Deus no mundo termina em sua criação, e) O deísmo é cético diante da outra vida, seus prêmios e castigos.
De acordo com o que acabamos de ver, o deísmo baseia-se na razão teórica e obedece a uma colocação estritamente intelectual. Também se baseia na razão prática, já que identifica a religião natural com os mandatos morais. Nega o caráter sobrenatural da religião ignorando, portanto, o caráter positivo e sobrenatural do cristianismo. A luta ideológica contra este marca, de alguma forma, toda a filosofia, a ciência, a educação, a política e a literatura surgida desde o séc. XVIII até os nossos dias. Os pensadores cristãos, daqui por diante, terão de apresentar e defender a identidade própria do cristianismo frente à crítica, frente à ciência, frente à secularização da vida.
BIBLIOGRAFIA: D. Hume, Diálogos sobre religião natural; K. E. Weger, La critica religiosa en los tres últimos siglos. Barcelona 1986; Jean-Jacques Rousseau, Escritos religiosos; John Locke, A racionalidade do cristianismo Madrid-1977. (Santidrián)
Uma das notas características do Iluminismo e dos iluministas é a secularização da razão. Com o slogan “Atreva-se a pensar”, “Abandone a menoridade”, o Iluminismo rompe o equilíbrio entre fé e razão e sua tensão dialética. Mediante um processo redutivo da fé ao racional, realiza o postulado e a exigência da progressiva e total secularização da vida humana mediante a dessacralização.
A concepção religioso-teológica do mundo dominante no Ocidente até o séc. XVII manti-nha-se e elevava-se sobre a relação homem-Deus. Deus constitui o centro, origem e princípio de determinação do sentido do mundo. Temos assim o teocentrismo. Da mesma maneira, o sentido da humanidade e da história é estabelecido e regido por Deus providente (providência). Finalmente, o destino último do homem, o fim da providência e o “eschaton” da história se somam na salvação sobrenatural e eterna do homem, realizada por e com a graça de Deus: Redenção divina, religião positiva, cristianismo.
O Iluminismo ou “razão secularizada” dá uma interpretação radicalmente oposta a tais questões. No teocentrismo, estarão a natureza e o homem como centro e ponto de referência. A providência será substituída pelo progresso contínuo e sem limites da razão e da humanidade. Na redenção sobrenatural — religião revelada, cristianismo histórico — impor-se-á a salvação da situação infeliz do homem, que ele próprio deverá procurar com o trabalho e na história. Temos, pois, uma Redenção horizontal, no marco exclusivo do tempo e da história.
Essa secularização da razão mantém, no entanto, o reconhecimento do divino, assim como uma peculiar interpretação da religião. É necessário que a verdadeira religião seja racional: “Enquanto não nos guiemos pela razão — diz Locke — , disputaremos em vão, e em vão tentaremos convencer-nos mutuamente em assuntos da religião”. Nasce assim o conceito de religião natural e de “deísmo”. Somente é verdadeira a religião da razão. A razão é a norma e o critério último da verdade e da religião.
A religião natural, proclamada pelo Iluminismo, vai unida uma luta contra os milagres e as profecias, os ritos e os dogmas. E, principalmente, se fará uma crítica implacável da religião positiva, do cristianismo estabelecido no Ocidente. Em nome da “religião natural” se derrubarão as barreiras entre a religião e a moral. A religião consistirá no conhecimento dos deveres ou mandatos morais, e sua atividade ou exteriorização não será mais do que a ação simplesmente ética. Puro moralismo, baseado nas palavras de Voltaire: “Entendo por religião natural os princípios da moralidade comuns à espécie humana” (Dic. de filósofos).
O “deísmo” expressa as exigências da razão iluminada e concretiza os princípios da religião natural. O conceito de “deísmo” foi moldado pelos ingleses John Toland em sua obra Cristianismo sem mistérios e M. Tindal, em O cristianismo tão velho como a criação. Foi, em especial, Voltaire quem formulou as notas ou teses gerais do deísmo. Reduzidas a sua mínima expressão, são as seguintes: a) Deus existe e é autor do mundo, b) Não é possível determinar a natureza e os atributos de Deus. c) Deus não criou o mundo livremente, mas por necessidade. Em consequência, Deus não é responsável pelo mal. d) Não há lugar para a providência divina, pois a ação de Deus no mundo termina em sua criação, e) O deísmo é cético diante da outra vida, seus prêmios e castigos.
De acordo com o que acabamos de ver, o deísmo baseia-se na razão teórica e obedece a uma colocação estritamente intelectual. Também se baseia na razão prática, já que identifica a religião natural com os mandatos morais. Nega o caráter sobrenatural da religião ignorando, portanto, o caráter positivo e sobrenatural do cristianismo. A luta ideológica contra este marca, de alguma forma, toda a filosofia, a ciência, a educação, a política e a literatura surgida desde o séc. XVIII até os nossos dias. Os pensadores cristãos, daqui por diante, terão de apresentar e defender a identidade própria do cristianismo frente à crítica, frente à ciência, frente à secularização da vida.
BIBLIOGRAFIA: D. Hume, Diálogos sobre religião natural; K. E. Weger, La critica religiosa en los tres últimos siglos. Barcelona 1986; Jean-Jacques Rousseau, Escritos religiosos; John Locke, A racionalidade do cristianismo Madrid-1977. (Santidrián)