cosmofania

Diz-se que o mito é teofania. Está certo; sobretudo, na condição do mito como «biografia dos deuses». Mais certo, todavia, nos parece o dizer-se que ele seja ontofania, ou, melhor, cosmofania e antropofania, ou as duas simultaneamente. Nem por despercebido nem por mal-entendido passará por aqui a sentença proverbial: «Quem vê Deus morre» (com a variante genuinamente grega — «Quem vê um deus morre ou cega»). Assim morreu Sémele, diante da figura de Zeus em toda a sua glória; assim Hera teria cegado Tirésias, quando o vate ousou revelar um dos mais bem guardados segredos da feminilidade, e quem sabe se Édipo furou as pupilas de seus olhos, não para que não mais visse o fundo de sua miséria humana, mas, sim, porque não suportou ver subitamente, face a face, a divindade que bem claro dissera: «Pensa que és só humano; conhece-te a ti mesmo, reconhece que és homem e não um deusDeus é fogo que nos consome ou ofuscante Fulguração do raio que nos cega. Ofuscante é também a densa obscuridade do Mistério; também não podemos olhá-lo de face, sem risco de cegarmos. Deus e Mistério unem-se pela ofuscação. Não se nos mostram diretamente. A obscuridade impenetrável do mistério é a de uma invisível luminária, cuja luz invisível floresce nos cristais de um mundo; a luminosidade dos deuses dispersa-se pela enrugada epiderme do nosso mundo. A embaçada luz do mundo só deixa ver, na sua orla extrema, o «lugar» em que deus e mistério já não estão. Satisfaçam-nos com o aperceber-nos da ausência, pois quem dela se apercebe sabe do que se ausentou, do que está presente em outro «lugar». Os deuses ocultam-se em cada um dos mundos que desocultaram. Mito não é teofania, mas teocriptia. Em seu mundo é que os deuses vêm à fala com os mortais; mito é cosmofania. Numa fórmula breve, que sintetiza as duas últimas proposições, temos a melhor definição do mítico: cosmofania teocríptica. Não foi jogo de palavras, mas, se acharem que foi, ainda assim, ganhámo-lo. [EudoroMito:49]