Ao ver que todos os corpos mortos estão privados de calor e também de movimentos, imaginou-se que era a ausência da alma que fazia cessar esses movimentos e esse calor; e assim se acreditou sem razão que nosso calor natural e todos os movimentos de nossos corpos dependem da alma, ao passo que se deveria pensar, pelo contrário, que a alma se ausenta, quando alguém morre, por cessar esse calor e porque os órgãos que servem para mover o corpo se corrompem.
A fim, pois, de evitar este erro, consideremos que a morte nunca sobrevêm por falta da alma, mas só porque se corrompe alguma das partes principais do corpo; e julguemos que o corpo de um homem vivo difere tanto do de um homem morto como um relógio, ou outro automata (isto é, outra máquina que se move por si mesma), quando se lhe deu corda e tem em si o princípio corpóreo dos movimentos para os quais foi construído, com tudo o que se requer para sua ação, e o mesmo relógio, ou outra máquina, quando está quebrado e cessa de atuar o princípio de seu movimento. (Descartes – Traité des passions de l’âme, I, 5-6.)