Ao contrário do que dão a entender a maioria dos livros de metodologia, o conhecimento científico não é algo pronto e acabado, indiscutível. Na verdade, o século XX foi palco de uma apaixonada discussão sobre o que é ciência, quais são suas características e sua relação com os outros tipos de conhecimento. Os pensadores que exploraram o tema discordam entre si e há até aqueles que defendem que um método científico é impossível. Outros têm denunciado a ideologia por trás do método científico, tais como Edgar Morin e Hebert Marcuse, que acusam a ciência e a tecnologia de promoverem a transformação do homem em coisa e a compartimentação do saber.
Outros apresentam propostas que discordam completamente do que a maioria entende por ciência. Exemplo disso é a gonzologia, uma corrente de pensamento influenciada pelo jornalismo gonzo. Para esses pensadores, a única metodologia possível dentro da ciência é a observação participante.
Entretanto, a noção que se tem hoje do conhecimento científico é influenciada pelos pontos de vista do Círculo de Viena e dos pensadores Karl Popper e Thomas S. Kuhn pela influência de suas propostas epistemológicas. [Gian Danton]
O primeiro caráter do conhecimento científico, reconhecido até por cientistas e filósofos das mais diversas correntes, é a objetividade, no sentido de que a ciência intenta afastar do seu domínio todo elemento afetivo e subjetivo, deseja ser plenamente independente dos gostos e das tendências pessoais do sujeito que a elabora. Numa palavra, o conhecimento verdadeiramente científico deve ser um conhecimento válido para todos. A objetividade da ciência, por isso, pode ser também, e talvez melhor, chamada intersubjetividade, até porque a evolução recente da ciência, e especialmente da física, mostrou a impossibilidade de separar adequadamente o objeto do sujeito e de eliminar completamente o observador. Este reconhecimento, que é essencial na teoria da relatividade e na nova física quântica, torna o caráter da objetividade mais complexo e problemático do que podia parecer no século passado; todavia, não elimina de modo algum da ciência o propósito radicalmente objetivo.
Outro caráter universalmente reconhecido é a positividade, no sentido de uma plena aderência aos fatos e de uma absoluta submissão à fiscalização da experiência. […] O conceito de positividade como recurso à experiência e adesão aos fatos era ainda muito vago e nesse tempo [no século passado] demasiado restrito, não só em filosofia, como na própria ciência; o que teria, por exemplo, excluído peremptória e definitivamente a astrofísica e toda a teoria atômica, das quais os cientistas tiveram de reconhecer a legitimidade. Só recentemente, por obra de Einstein e, mais explicitamente, de Heisenberg, a positividade da ciência se precisou na operatividade dos conceitos científicos, segundo a qual um conceito não tem direito de cidadania em ciência se não for definido mediante uma série de operações físicas, experiências e medidas ao menos idealmente possíveis. Tal precisão permite, por um lado, reconhecer claramente a não positividade de conceitos como o de espaço e de tempo absolutos e, por outro lado, admitir como positivos elementos não efetivamente experimentáveis, quando a não experimentabilidade é devida à impossibilidade prática, e não teórica, como a noção de ciclo perfeitamente reversível e toda a astrofísica. Tal precisão, além disso, permite compreender também a positividade da matemática. […] Não no mesmo sentido das ciências experimentais. Introduzindo o conceito de operatividade, a positividade da matemática significa que as suas noções são implicitamente definidas pelo conjunto dos axiomas e postulados formulados na sua base e segundo os quais as noções são utilizáveis.
Um terceiro caráter do conhecimento científico reside na sua racionalidade. Não obstante a oposição de toda a corrente empirista, a ciência moderna é essencialmente racional, isto é, não consta de meros elementos empíricos, mas é essencialmente uma construção do intelecto. […] A ciência pode ser definida como um esforço de racionalização do real; partindo de dados empíricos, através de sínteses cada vez mais vastas, o cientista esforça-se por abraçar todo o domínio dos fatos que conhece num sistema racional, no qual de poucos princípios simples e universais possam logicamente deduzir-se as leis experimentais mais particulares de campos à primeira vista aparentemente heterogêneos. […]
Além disto, os cientistas modernos verificam unanimemente no conhecimento científico um caráter muito alheio à mentalidade científica do século passado, o da revisibilidade. Não há, nem nas ciências experimentais, nem mesmo na matemática, posições definitivas e irreformáveis. Toda verdade científica aparece, em certo sentido, como provisória, susceptível de revisão, de aperfeiçoamento, às vezes mesmo de uma completa reposição em causa.
Todos os conhecimentos científicos são aproximados, quer pela imperfeição das observações experimentais em que se fundam, quer pela necessária abstração e esquematização com que são tratados. Os conceitos de adequação total e perfeita devem ser substituídos pelos de aproximação e validez limitada. Esta nova mentalidade científica, que deve ser mantida num são equilíbrio, é principalmente o fruto de numerosas crises e revoluções da ciência, que já assinalamos. […]
Finalmente, um último caráter do conhecimento científico é a sua autonomia relativamente à filosofia e à fé. A ciência tem o seu próprio campo de estudo, o seu método próprio de pesquisa, uma fonte independente de informações, que é a natureza. […] Isto não significa que a filosofia não possa e não deva levar a termo uma indagação crítica sobre a natureza da ciência, sobre seus métodos e seus princípios, e que o cientista não possa tirar vantagens de um conhecimento reflexivo, filosófico e crítico da sua mesma atividade de cientista. […]
Mas em nenhum caso a ciência poderá dizer-se dependente de um sistema filosófico, ou poderá encontrar numa tese filosófica uma barreira-limite que impeça a priori a aplicação livre e integral do seu método de pesquisa. E o mesmo se dirá no que respeita à fé: ela poderá constituir uma norma diretriz e prudencial para o cientista, enquanto homem e crente, mas nunca será uma norma positiva ou restritiva para a ciência enquanto tal. [F. Selvaggi, Enciclopédia Filosofica, Roma, 1957, vol. iv, pp. 444-445.]