causa primeira

VIDE prima causa

O ser nos apareceu de início como o dado primeiro da inteligência. Considerando-o formalmente como ser, precisamos a sua estrutura e determinamos suas propriedades, os transcendentais. Ressaltamos em seguida a lista das suas modalidades particulares mais notáveis, as categorias, as quais se organizaram em torno do modo de ser fundamental que é a substância. Tomando na análise da mudança um novo ponto de partida, fomos levados a distinguir no ser o ato e a potência; depois, em face do fato da sua limitação e da sua multiplicidade, afirmamos sua composição real de essência e existência.

Se retornamos à consideração da multiplicidade dos seres que nos são dados na experiência, somos alertados por sua imperfeição e sua insuficiência essenciais: mudam e são limitados; o ser não lhes pertence de fato, são essencialmente dependentes. Desta indigência mesma nos elevamos até a reconhecer a existência de um ser primeiro, causa de todos os outros: o ser que se move, o ser que depende da eficiência de um outro, o ser contingente, o ser imperfeito, o ser que tende para um fim, supõem um primeiro motor imóvel, uma primeira causa eficiente, um ser necessário, um ser perfeito, uma inteligência ordenadora suprema, que supre todas estas deficiências e que todos chamamos Deus.

Para conduzir ao seu acabamento a metafísica do ser, é necessário ainda precisar com Tomás de Aquino que a essência mesma de Deus é seu ser, que ele é o ser por si (Cf. Ia Pa, q. 3, a. 4), e que todo outro ser necessariamente é criado por Deus ou que é ser por participação (Ia Pa; q. 44, a. 1). O circuito da ontologia se encontra então acabado tanto em seu ramo descendente como no seu ramo ascendente.

Esquematicamente, essa dupla demonstração se conduziria assim. Nas criaturas, há necessariamente distinção entre essência e existência. Acontecerá o mesmo com Deus? Não, pois sendo a primeira causa eficiente, não pode receber sua existência de um outro, nem mesmo de si próprio, não pode portanto possuí-Ia senão por sua natureza. Não tendo, por outro lado, nenhuma potencialidade, não pode ser, em sua essência, senão o puro de sua existência. Sendo o primeiro existente, não pode ser, em virtude das próprias leis da participação, senão por sua essência. É portanto impossível que em Deus a essência seja diferente da existência: Impossibile est ergo, quod in Deo sit aliud esse, et aliud ejus essentia.

Voltando-nos agora para as criaturas, deveremos dizer que é necessário que todo ser seja criado por Deus. Se, com efeito, uma coisa existe em um sujeito por participação, é necessário que seja causada por aquele onde esta coisa existe por si. Ora, Deus é o ser que existe por si e não pode haver senão um ser que exista por si. Segue-se que todas as outras coisas diferentes de Deus não sejam o seu ser, mas participem do ser. E, finalmente, tudo o que se diversifica segundo diversas participações de ser é causado por um primeiro ser que é absolutamente perfeito: Necesse est igitur quod omnia quae diversificantur secundum diversam participationem essendi… causari ab uno primo ente quod perfectissime est.

Vista dê-se ponto culminante, toda a metafísica do ser concreto nos parece então se exprimir com a mais absoluta simplicidade: no princípio, o ser que existe por si mesmo, aquele cuja essência é existir; na sua dependência radical, os seres que não podem existir por si mesmos, que recebem dele a sua existência. É o que exprime a 3ª das 24 teses tomistas: “É porque na razão absoluta de seu ser único subsiste Deus, único na sua simplicidade absoluta; todas as outras coisas que participam de seu ser têm uma natureza que contrata seu ser, e são compostas, como de princípios realmente distintos, de. essência e existência”.

Restaria precisar como se deve entender com Tomás de Aquino essa participação no ser de Deus que estabelece a criatura no seu estatuto ontológico próprio: mas isso pertence a esta metafísica sintética do tratado de Deus, nos limites da qual intentamos permanecer. É-nos suficiente remeter para esta questão aos recentes trabalhos que revalorizaram este aspecto do pensamento do Doutor angélico: Fabro, La nozione metafisica di participazione secondo san Tomaso d’Aquino; Geiger, La participation dans la philosophie de saint Thomas d’Aquin.

Em definitivo, toda a filosofia do ser repousa sobre o reconhecimento da identidade que existe em Deus entre a essência e a existência, identidade que faz dele o ser em plenitude no qual todos os outros seres participam. E Tomás de Aquino reaproxima, não sem um certo lirismo, esta verdadesublime” da revelação do nome divino no Êxodo

“Sobre esta verdade sublime Moisés foi instruído por Deus, ele que fez ao Senhor esta pergunta: Se os filhos de Israel vierem me perguntar: Qual é seu nome? O que lhes direi? E o Senhor respondeu: Eu sou aquele que sou. Assim falarás aos filhos de Israel: Aquele que é me enviou a vós; e com isto manifestava que seu nome próprio é Quem é. Ora, todo nome tem por fim significar a natureza ou essência de uma coisa. Resta pois que o ser divino é sua essência ou sua natureza”. Contra Gentiles, I, c. 52 [Gardeil]