Nessa perspectiva, compreende-se também como devem ser entendidas tanto a correlação que Freud (inspirado por Abraham) estabelece entre a melancolia e a “fase oral ou canibalesca da evolução da libido”, em que o eu aspira a incorporar o próprio objeto devorando-o, quanto a obstinação especial com que a psiquiatria legal do século XIX classifica como formas de melancolia os casos de canibalismo que enchem de horror as crônicas criminais da época. A ambiguidade da relação melancólica com o objeto era assim comparada com o ato de [46] comer canibalesco que destrói e, ao mesmo tempo, incorpora o objeto da libido; e, por trás dos “ogros melancólicos” dos arquivos legais do século XIX, volta a estender-se a sombra sinistra do deus que devora seus filhos, o Cronos-Saturno cuja associação tradicional com a melancolia encontra aqui mais um fundamento para a identificação da incorporação fantasmática da libido melancólica com a refeição homofágica do deposto monarca da idade de ouro. [A respeito da vinculação entre canibalismo e melancolia, ver Nouvelle Revue de Psychanalyse, VI, 1972, sobre o tema “Destins du cannibalisme”.] [AgambenE:46]