cálculo dos problemas

O sentido está no próprio problema. O sentido é constituído no tema complexo, mas o tema complexo é o conjunto de problema e de questões em relação a que as proposições servem de elementos de resposta e de casos de solução. Todavia, esta definição exige que nos desembaracemos de uma ilusão própria da imagem dogmática do pensamento: é preciso parar de decalcar os problemas e as questões sobre proposições correspondentes, que servem ou podem servir de respostas. Nós sabemos qual é o agente da ilusão; é a interrogação, que, nos quadros de uma comunidade, desmembra os problemas e as questões e os reconstituem de acordo com proposições da consciência comum empírica, isto é, de acordo com verossimilhanças de uma simples doxa. Com isto, encontra-se comprometido o grande sonho lógico de um cálculo dos problemas ou de uma combinatória. Acreditou-se que o problema e a questão eram apenas a neutralização de uma proposição correspondente. Como não acreditar, por conseguinte, que o tema ou o sentido é somente um duplo ineficaz, calcado sobre o tipo das proposições que ele subsume, ou mesmo sobre um elemento que se presume [258] ser comum a toda proposição (a tese indicativa)? Por não ver que o sentido ou o problema é extra-proposicional, que ele difere, por natureza, de toda proposição, perde-se o essencial, a gênese do ato de pensar, o uso das faculdades. A dialética é a arte dos problemas e das questões, e a combinatória é o cálculo dos problemas enquanto tais. Mas a dialética perde seu poder próprio — e, então, começa a história de sua longa desnaturação, que faz com que ela caia sob a potência do negativo — quando ela se contenta em decalcar os problemas sobre as proposições. Aristóteles escreve: “Se se diz, por exemplo: Animal-pedestre-bípede é a definição de homem, não é? ou Animal é o gênero do homem, não é?, obtém-se uma proposição; se se diz, em compensação: Animal-pedestre-bípede é ou não a definição do homem?, eis aí um problema. E o mesmo acontece para as outras noções. Disto resulta, bastante naturalmente, que os problemas e as proposições são em número igual, pois é possível fazer de toda proposição um problema, mudando-se simplesmente a construção da frase”. (Até nos lógicos contemporâneos encontra-se a marcha da ilusão. O cálculo dos problemas é apresentado como extra-matemático; o que é verdade, pois ele é essencialmente lógico, isto é, dialético; mas ele é inferido de um simples cálculo das proposições, sempre copiado, decalcado sobre as próprias proposições [[Cf. ARISTÓTELES, Tópicos, I, 4, 101 b, 30-35. — A mesma ilusão continua na Lógica moderna: o cálculo dos problemas, tal como é definido, notadamente por KOLMOGOROFF, encontra-se ainda calcado sobre um cálculo das proposições, em “isomorfismo” com ele (cf. Paulette DESTOUCHES-FÉVRIER, Rapports entre le calcul des problèmes et le calcul des propositions, Comptes rendus des séances de l’Académie des Sciences, avril 1945). Veremos que um empreendimento de “matemática sem negação”, como o de G. F. C. Griss, só encontra seu limite em função desta falsa concepção da categoria de problema.

LEIBNIZ, ao contrário, pressente a distância variável, mas sempre profunda, entre os problemas ou os temas e as proposições: “Pode-se mesmo dizer que há temas que são intermediários entre uma ideia e uma proposição. São as questões, dentre as quais existe as que apenas exigem sim e não, que são as mais próximas das proposições. Mas há também as que exigem o como e as circunstâncias etc., nas quais há mais a ser substituído para delas se fazer proposições” (Novos ensaios sobre o entendimento humano, IV, cap. I, § 2).]].) [DeleuzeDR:257-258]