Imperativo hipotético e imperativo categórico. Então o problema que se apresenta é o seguinte: que é, em que consiste a vontade boa? Que chamamos uma vontade boa? Aprofundando-se nesta direção, Kant adverte que todo ato Voluntário se apresenta à razão, à reflexão, na forma de um imperativo. Com efeito; todo ato, no momento de iniciar-se, de começar a realizar-se, aparece à consciência sob a forma de mandamento: há que se fazer isto, isto tem que ser feito, isto deve ser feito, faz isto. Essa forma de imperativo, que é a rubrica geral em que se contém todo ato imediatamente possível, especifica-se segundo Kant em duas classes de imperativos; os que ele chama imperativos hipotéticos e os imperativos categóricos.
A forma lógica, a forma racional, a estrutura interna do imperativo hipotético, é aquela que consiste em sujeitar o mandamento, ou imperativo mesmo, a uma condição. Por exemplo: “Se queres sarar de tua doença, toma o remédio.” O imperativo é “toma o remédio”; porém esse imperativo está limitado, não é absoluto, não é incondicional, antes está colocado sob a condição “de que queiras sarar”. Se me respondes: “Não quero sarar”, então não é válido o imperativo. O imperativo: “Toma o remédio” é, pois, válido somente sob a condição de que “queiras sarar”.
Pelo contrário, outros imperativos são categóricos: justamente aqueles em que a imperatividade, o mandamento, o mandado, não está colocado sob condição nenhuma. O imperativo então impera, como diz Kant, incondicionalmente, absolutamente; não relativa e condicionalmente, mas de um modo total, absoluto e sem limitações. Por exemplo: os imperativos da moral costumam formular-se desta maneira, sem condições: “Honra teus pais”, “não mates outro homem”, enfim, todos os mandamentos morais bem conhecidos.
A qual desses dois tipos de imperativos corresponde o que chamamos a moralidade? Evidentemente, a moralidade não é o mesmo que a legalidade. A legalidade de um ato voluntário consiste em que a ação seja conforme e esteja ajustada à lei. Porém não basta que uma ação seja conforme e esteja ajustada à lei para que seja moral; não basta que uma ação seja legal para que seja moral. Para que uma ação seja moral é mister que aconteça algo não na ação mesma e na sua concordância com a lei, mas no instante que antecede à ação, no ânimo ou vontade daquele que a executa. Se uma pessoa ajusta perfeitamente seus atos à lei, porém os ajusta à lei porque teme o castigo consequente ou apetece a recompensa conseguinte, então dizemos que a conduta íntima, a vontade íntima dessa pessoa não é moral. Bara nós, para a consciência moral uma vontade que se resolve a fazer o que faz por esperança de recompensa ou por temor de castigo, perde todo o valor moral. A esperança de recompensa e o temor do castigo menoscabam a pureza do mérito moral. Pelo contrário, dizemos que um ato moral tem pleno mérito moral quando a pessoa que o realiza determinou-se a realizá-lo unicamente porque esse é o ato moral devido.
Pois bem: se agora traduzimos isto à formulação, que antes explicávamos, do imperativo hipotético e do imperativo categórico, advertimos desde já que os atos em que não há a pureza moral exigida, os atos em que a lei foi cumprida por temor do castigo ou por esperança de recompensa, são atos nos quais, na interioridade do sujeito, o imperativo categórico tornou-se habilmente imperativo hipotético. Em lugar de escutar a voz da consciência moral, que diz “obedece a teus pais”, “não mates teu próximo”, este imperativo categórico converte-se neste outro hipotético: “se queres que não te aconteça nenhuma coisa desagradável, se queres não ir ao cárcere, não mates teu próximo.” Então o determinante aqui foi o temor; e esta determinação de temor tornou o imperativo (que na consciência moral é categórico) um imperativo hipotético; e o tornou hipotético ao colocá-lo sob essa condição e transformar a ação num meio para evitar tal ou qual castigo ou para obter tal ou qual recompensa. Então diremos que para Kant uma vontade é plena e realmente pura, moral, valiosa, quando suas ações estão regidas por imperativos autenticamente categóricos.
Se agora quisermos formular isto em termos tirados da lógica, diremos que em toda ação há uma matéria, que é aquilo que se faz ou aquilo que se omite, e há uma forma, que é o por que se faz ou o por que se omite. E então a formulação será: uma ação denota uma vontade pura e moral quando é feita não por consideração ao conteúdo empírico dela, mas simplesmente por respeito ao dever; quer dizer, como imperativo categórico e não como imperativo hipotético. Mas este respeito ao dever é simplesmente a consideração à forma do “dever”, seja qual for o conteúdo ordenado nesse dever. E essa consideração à forma pura proporciona a Kant a fórmula conhecidíssima do imperativo categórico, ou seja, a lei moral universal, que é a seguinte: “Age de maneira que possas querer que o motivo que te levou a agir seja uma lei universal.” Esta exigência de que a motivação seja lei universal vincula inteiramente a moralidade à pura forma da vontade, não a seu conteúdo. [Morente]