O pensamento, o distanciamento do horizonte ek-stático onde ele se move (natureza enquanto “fora de si” primitivo, contemplação das Ideias, re-(a)presentação, relação sujeito/objeto, intencionalidade, “estar no mundo”): aí está, desde a Grécia, a abordagem fenomenológica e, assim, a essência da inteligibilidade. Na medida em que vem antes de toda inteligibilidade, a vinda originária da própria Vida a si mesma constitui uma Arqui-inteligibilidade. Esta não se define de modo negativo, em sua anterioridade à inteligibilidade que domina a filosofia ocidental. Antes do mundo e de seu “aparecer”, a Arqui-inteligibilidade abriu, desde sempre, a dimensão fenomenológica do invisível — o qual é tudo menos um conceito negativo, o conceito antitético do visível. Invisível é a revelação originária cumprida pela [371] obra da revelação com respeito a si mesma — antes de qualquer outra coisa. Pois o aparecer não pode dar o aparecer ao que quer que seja diferente dele, sem que ele apareça antes de tudo em si mesmo enquanto tal. Só a Vida absoluta cumpre essa autorrevelação do Começo. É aqui que a pretensão do pensamento humano de atingir a Verdade pela própria força de seu pensamento é malsucedida. É aqui que as intuições fenomenológicas da Vida e as da teologia cristã se encontram: no reconhecimento de uma comum pressuposição que já não é a do pensamento. Antes do pensamento — tanto antes da fenomenologia, portanto, como antes da teologia (antes da filosofia ou de qualquer outra disciplina teórica) –, o que está em ação é uma Revelação, que não lhes deve nada, mas que todas supõem igualmente. Antes do pensamento, antes de toda abertura do mundo e do desdobramento de sua inteligibilidade, fulgura a Arqui-inteligibilidade da Vida absoluta, a Parusia do Verbo em que ela se estreita.
Estamos então diante do paradoxo da Vida: só sua Arqui-inteligibilidade nos permite compreender o que, em nós, é o mais simples, o mais elementar, o mais banal, o mais humilde e que, por efeito dessa Arqui-inteligibilidade de que proviemos, nos atinge no coração de nosso ser. No coração de nosso “ser”: ali onde todo vivente advêm à vida, onde a Vida o dá a ele mesmo na Arqui-inteligibilidade de sua autodoação absoluta — em nosso nascimento transcendental, ali onde nós somos os Filhos. (Michel Henry MCE)