ἀρετή: excelência, virtude
1. O conceito de virtude teve uma longa história evolutiva na cultura grega antes de ser incorporado na problemática da filosofia. Os pré-socráticos, cuja principal preocupação era uma physis corpórea, não estavam muito interessados em especulações sobre a arete; há alguns pensamentos ocasionais sobre o assunto, como em Heráclito designação de prudência como a mais alta virtude (Diels, frg. 12) e em Demócrito a insistência sobre o caráter interior da arete (Diels, frgs. 62, 96, 244, 264), mas não é prestada verdadeira atenção filosófica à arete antes da geração de Sócrates.
2. A própria identificação socrática da virtude e do conhecimento foi um lugar-comum para os seus sucessores (Aristóteles, Eth. Eud. I, 1216b, Ethica Nichomacos VII, 1145b), e os «diálogos socráticos» de Platão dirigem-se no sentido de uma procura das definições das várias virtudes, Laques 190c-199e; e é provavelmente uma hipostasiação destas definições que culmina na teoria platônica das formas (ver eidos). Para Platão há um eidos da arete (Ménon 72c) e das várias espécies de aretai (Parm. 130b); na Republica 442b-d descreve as quatro «virtudes cardeais» desejáveis no estado ideal, uma explanação que tem como correlatos as classes dos homens no estado e as divisões da alma (ver psyche, sophrosyne).
3. Para Aristóteles a virtude é um meio (meson), e ele distingue entre virtudes morais e intelectuais (Ethica Nichomacos II, 1103a-b). A aproximação socrática intelectualista da virtude é ainda visível em Aristóteles, mas temperada também pelo reconhecimento dos elementos volitivos (ver proairesis). Para os estoicos a essência da virtude estava em «viver em harmonia com a natureza» (ver nomos).
Para outros aspectos da moralidade, ver praxis, phronesis, adiaphoron, dike e, para os seus correlatos ontológicos, agathon, kakon. (FEPeters)
A excelência (ἀρετή) enquanto perseverança corajosa (ἀνδρεία [andreia]) é a possibilidade única que existe para autenticamente resolvermos uma situação destrutiva e perversiva (κακία [kakia]) provocada pelo medo terrível (φοβός [phobos], δέος [deos]) que a vida nos pode trazer, em que ela nos pode fazer cair. A excelência (ἀρετή), enquanto justiça justificada (δικαιοσύνη [dikaiosyne]), é a possibilidade única a escolher, quando nos encontramos na situação destruidora e perversa provocada pela presença do desejo de prazer (ηδονής επιθυμία [hedones epithymia]) na nossa existência. O desejo de prazer pelo prazer só é superado na nossa existência quando escolhemos a possibilidade que lhe dá sentido e o permite ultrapassar, não nos deixando sucumbir ao efeito surtido pela sua ação.
Tanto a perseverança corajosa (ἀνδρεία [andreia]) como a justiça justificadora (δικαιοσύνη [dikaiosyne]) ou o olhar a salvo do coração (σωφροσύνη [sophrosyne]) são as completudes (τέλη [tele]) em vista das quais é possível dar o sentido e a direção que nos orientam em situações aparentemente sem sentido, bloqueadas pela crise. Elas correspondem a uma outra forma de olhar que transcende a mera patologia do instante, cuja lógica decide o para sempre da qualidade do instante vivido. A excelência (ἀρετή) corresponde ao olhar para o único objetivo que nos pode dar um projeto de vida que resolve a situação hermética de toda e qualquer afetação patológica.
A presentifiçação das situações patológicas de sofrimento (λύπη [lype]) e de prazer (ἡδονή [hedone]) permite-nos fazer a identificação da estrutura prática, localizando-a numa dimensão irreal. Uma tal presentifiçação permite-nos igualmente perceber que a eclosão da excelência (ἀρετή) se verifica num plano atemático que não está dado à partida. O ponto de vista que põe a descoberto a excelência (ἀρετή) da situação humana (πρᾶξις [praxis]) ultrapassa a potência de toda e qualquer aparição patológica e procura dar compreensão às situações de cada vez criadas. As nossas análises permitem a concretização fenomenal do sentido da excelência (ἀρετή) em Platão como sendo organização estrutural (τάξις [taxis]) e ordenação constitutiva (κόσμος [kosmos]).
Da interpretação e compreensão da excelência (ἀρετή) como organização estrutural (τάξις [taxis]) e ordenação constitutiva (κόσμος [kosmos]) resulta a crítica aristotélica. E que esta interpretação tem como resultado um olhar técnico sobre a realidade prática, isto é, segundo Aristóteles uma redução de todos os horizontes de ser, quaisquer que eles sejam, a um ideal que vê os seus temas na sua diferença. Quer dizer, em última análise esbatem-se os contornos dos [18] horizontes físico e prático com vista à constituição de um acesso aos entes enquanto tais. [CaeiroArete:18-19]
EVANGELHO DE JESUS: Filipenses 4:8; 1Pe 2:9; Pe 1:3-7
PADRES DA IGREJA — em nosso site em francês
As chamadas “virtudes cardeais” são as quatro virtudes destacadas na República Livro IV de Platão: sabedoria prática (ou prudência), coragem, justiça, e temperança (ou autodomínio). Estas foram posteriormente incorporadas na teologia cristã. Teólogos cristão tradicionalmente sustentaram que o conhecimento destas virtudes não requerem revelação especial.
Peters
1. O conceito de virtude teve uma longa história evolutiva na cultura grega antes de ser incorporado na problemática da filosofia. Os pré-socráticos, cuja principal preocupação era uma physis corpórea, não estavam muito interessados em especulações sobre a arete; há alguns pensamentos ocasionais sobre o assunto, como em Heráclito designação de prudência como a mais alta virtude (Diels, frg. 12) e em Demócrito a insistência sobre o caráter interior da arete (Diels, frgs. 62, 96, 244, 264), mas não é prestada verdadeira atenção filosófica à arete antes da geração de Sócrates.
2. A própria identificação socrática da virtude e do conhecimento foi um lugar-comum para os seus sucessores (Aristóteles, Eth. Eud. I, 1216b, Ethica Nichomacos VII, 1145b), e os «diálogos socráticos» de Platão dirigem-se no sentido de uma procura das definições das várias virtudes, Laques 190c-199e; e é provavelmente uma hipostasiação destas definições que culmina na teoria platônica das formas (ver eidos). Para Platão há um eidos da arete (Ménon 72c) e das várias espécies de aretai (Parm. 130b); na Republica 442b-d descreve as quatro «virtudes cardeais» desejáveis no estado ideal, uma explanação que tem como correlatos as classes dos homens no estado e as divisões da alma (ver psyche, sophrosyne).
3. Para Aristóteles a virtude é um meio (meson), e ele distingue entre virtudes morais e intelectuais (Ethica Nichomacos II, 1103a-b). A aproximação socrática intelectualista da virtude é ainda visível em Aristóteles, mas temperada também pelo reconhecimento dos elementos volitivos (ver proairesis). Para os estoicos a essência da virtude estava em «viver em harmonia com a natureza» (ver nomos).
Para outros aspectos da moralidade, ver praxis, phronesis, adiaphoron, dike e, para os seus correlatos ontológicos, agathon, kakon. (FEPeters)
António Caeiro
A ARETE COMO POSSIBILIDADE EXTREMA DO HUMANO
A presentificação das situações patológicas de sofrimento (lype) e de prazer (hedone) permite-nos fazer a identificação da estrutura prática, localizando-a numa dimensão irreal. Uma tal presentificação permite-nos igualmente perceber que a eclosão da excelência (arete) se verifica num plano atemático que não está dado à partida. O ponto de vista que põe a descoberto a excelência (arete) da situação humana (praxis) ultrapassa a potência de toda e qualquer aparição patológica e procura dar compreensão às situações de cada vez criadas. As nossas análises permitem a concretização fenomenal do sentido da excelência (arete) em Platão como sendo organização estrutural (taxis) e ordenação constitutiva (kosmos).
Jean-Claude Larchet
TERAPÊUTICA DAS DOENÇAS ESPIRITUAIS
La perfección relativa que poseía el hombre cuando fue creado, no consistía solamente en la simple capacidad que le conferían sus facultades de unirse a Dios: Adán fue creado realizando ya en cierta medida la semejanza con Dios que tenía por misión realizar. Desde sus orígenes, se encontraba vuelto hacia Dios y poseía, en su naturaleza misma creada a imagen de Dios, todas las virtudes. S. Gregorio de Nisa escribe: «El hombre ha sido hecho a imagen de Dios que, equivale a decir: (Dios) hizo a la naturaleza humana partícipe de todo bien (…) Por ello, en nosotros están todas las formas del bien, toda virtud, toda sabiduría, y todo lo mejor que podemos pensar». S. Doroteo de Gaza enseña del mismo modo: «Dios ha hecho al hombre a su imagen, es decir (…) adornado de toda virtud» Y s. Juan Damasceno: «Dios ha hecho al hombre (…) adornado de toda virtud y rico en todo bien». S. Máximo apunta igualmente: «Las virtudes son inherentes al alma desde la creación».
Así, el hombre es virtuoso por naturaleza. «Por naturaleza poseemos las virtudes, que nos han sido dadas por Dios. Cuando creó al hombre, Dios las puso en él»; «Dios nos ha dado de este modo las virtudes con la naturaleza», precisa s. Doroteo de Gaza. «La virtud está en el alma naturalmente», señala s. Isaac el Sirio. «Las virtudes son naturales al hombre», escribe del mismo modo s. Juan Damasceno.
Os Padres, destacando particularmente o fato que as virtudes são inerentes à natureza própria do homem, e não qualidades que lhe seriam, de uma maneira ou outra, sobrepostas, têm a este respeito uma concepção dinâmica: as virtudes não são dadas ao homem plenamente realizadas; elas pertencem a sua natureza na medida que está na finalidade desta realizá-las, enquanto constituem a realização e a perfeição desta natureza. Mas sua realização supõe a participação ativa do homem ao desígnio de Deus, a colaboração de todas as suas faculdades à vontade divina, a livre abertura de seu ser integral à graça de Deus. O homem foi criado com a possibilidade de realizar estas virtudes, e começando a realizá-las. Ela as possuía em germe. Mas lhe pertence o gesto de fazê-las crescer para conduzi-las a sua realização. É neste sentido que os Padres da Igreja compreendem o mandamento divino dado a Adão e Eva: “Crescei e multiplicai-vos” (Gen 1,28). E por isto dizem que no Paraíso “o homem era pequenino, pois era criança, e devia em se desenvolvendo alcançar o estado adulto” (Irineu de Lião, Demonstração da Fé Apostólica). É para manifestar este caráter dinâmico da aquisição das virtudes e da deificação, que a maioria do Padres da Igreja, diferentemente de Gregório de Nissa, distinguem a Imagem e a Semelhança.
Julius Evola
L’ARC ET LA MASSUE
A «virtude» no sentido moderno nada tem a ver com a virtus antiga. Virtus designava a força de caráter, a coragem, a proeza, a firmeza viril. Este termo derivava de vir, o homem verdadeiro, não o homem em um sentido geral e naturalista. O mesmo termo tomou, na língua moderna, um sentido essencialmente moralista, frequentemente associado a preconceitos de ordem sexual, a ponto que se referindo a ele, Vilfredo Pareto forjou o termo “virtuismo” para designar a oral burguesa puritana e sexofóbica. Quando se diz uma «pessoa virtuosa», pensa-se hoje em dia a algo de bem diferente disto que podiam significar por exemplo, com a ajuda de uma reiteração eficaz, expressões como esta: vir virtute praeditus. Não é raro que a diferença se transforma em oposição. Com efeito, uma alma forte, confiante, intrépida, heroica é o contrário do que quer dizer uma pessoa «virtuosa» no sentido moralista e conformista moderna.
O sentido virtus como força eficiente não se manteve senão em certas locuções particulares: a «virtude» de uma planta ou de um medicamento, «em virtude» disto ou daquilo.
1. O conceito de virtude teve uma longa história evolutiva na cultura grega antes de ser incorporado na problemática da filosofia. Os pré-socráticos, cuja principal preocupação era uma physis corpórea, não estavam muito interessados em especulações sobre a arete; há alguns pensamentos ocasionais sobre o assunto, como em Heráclito designação de prudência como a mais alta virtude (Diels, frg. 12) e em Demócrito a insistência sobre o caráter interior da arete (Diels, frgs. 62, 96, 244, 264), mas não é prestada verdadeira atenção filosófica à arete antes da geração de Sócrates.
2. A própria identificação socrática da virtude e do conhecimento foi um lugar-comum para os seus sucessores (Aristóteles, Eth. Eud. I, 1216b, Ethica Nichomacos VII, 1145b), e os «diálogos socráticos» de Platão dirigem-se no sentido de uma procura das definições das várias virtudes, Laques 190c-199e; e é provavelmente uma hipostasiação destas definições que culmina na teoria platônica das formas (ver eidos). Para Platão há um eidos da arete (Ménon 72c) e das várias espécies de aretai (Parm. 130b); na Republica 442b-d descreve as quatro «virtudes cardeais» desejáveis no estado ideal, uma explanação que tem como correlatos as classes dos homens no estado e as divisões da alma (ver psyche, sophrosyne).
3. Para Aristóteles a virtude é um meio (meson), e ele distingue entre virtudes morais e intelectuais (Ethica Nichomacos II, 1103a-b). A aproximação socrática intelectualista da virtude é ainda visível em Aristóteles, mas temperada também pelo reconhecimento dos elementos volitivos (ver proairesis). Para os estoicos a essência da virtude estava em «viver em harmonia com a natureza» (ver nomos).
Para outros aspectos da moralidade, ver praxis, phronesis, adiaphoron, dike e, para os seus correlatos ontológicos, agathon, kakon. (FEPeters)