O Cours de Linguistique Genérale estabelece como primeiro princípio geral da teoria dos signos a sua arbitrariedade. “O elo que une o significante ao significado é arbitrário, ou antes, pois que entendemos por signo o total resultante da associação de um significante e um significado, podemos dizer mais simplesmente: o signo linguístico é arbitrário”.
Pela afirmação se entende que o significante é motivado em relação ao significado. Isto é o mesmo que afirmar inexistir uma relação intrínseca e necessária entre as duas partes constitutivas do signo linguístico, que obrigasse a cunhagem desta e não doutra associação qualquer. A relação entre significante e significado é portanto convencional, variável como toda norma de cultura. Fosse doutro modo não se explicaria a divergência que caracteriza o léxico das línguas. Ademais, é porque arbitrário que Saussure preferiu designar a unidade do léxico pelo nome de signo, em vez de símbolo, pois neste “existe um rudimento de elo natural entre o significante e o significado”. O autor considera a seguir os casos que poderiam ferir o princípio enunciado. Dentre estes destaca-se a figura da onomatopeia. Saussure não a considera, entretanto, capaz de abalar sua formulação. Em primeiro lugar, porque nem todas as onomatopeias o são naturalmente — isto é, assim aparecem apenas para os usuários do sistema verbal em que assim são tomados. Stephen Ullmann, nesta linha acentuou mais recentemente que “mesmo quando há uma autêntica semelhança de percepções, há também diferenças marcadas, devido ao fato de que a imitação é apenas parcial e que cada língua a convencionou da sua maneira própria”. Em segundo lugar, acrescenta Saussure, porque o que resta das onomatopeias “autênticas” — tipo tique-taque, glu-glu — é uma escala insignificante. Na verdade, o raciocínio de Saussure é impecável dentro de suas pressuposições. Sua conclusão, contudo, mostrar-se-á falha se os pressupostos com que trabalha se revelarem insuficientes. Consideremo-los, portanto: o linguista genebrino considera o problema da motivação/imotivação linguística a partir da seguinte alternativa: a) ou existe uma relação necessária entre a palavra, e a coisa que representa ou b) tal relação é arbitrária e convencional. Ora, como mostraria E. Benveniste (1939) a alternativa empregada é contraditória à ideia central de Saussure da língua como sistema, que há de ser visto em sua realidade própria, afastados os elementos externos que haviam impedido a linguística de descobrir o seu próprio objeto. De acordo com esta ideia, a natureza do signo deveria ser pesquisada dentro do sistema em que foi produzido. Paradoxalmente, porém, Saussure “esquece” o sistema e define o signo por sua relação com o que é externo à linguagem. “. . . É apenas se se pensa no animal ‘boeuf em sua particularidade concreta e ‘substancial’ que é justo julgar ‘arbitrária’ a relação entre böf de um lado, oks do outro, quanto a uma mesma realidade…”.
As pressuposições saussurianas são assim retificadas substituindo-se a comparação entre palavra e coisa pela análise do signo em seu sistema. O que vale dizer, as ideias de motivação/imotivação passam a ser definidas em termos de cultura e não em termos de correspondência entre um elemento de ordem cultural — o signo — e outro de ordem natural — a coisa representada. Por exemplo, arborescente, arborecer, arborescência sa revelam internamente motivados a partir de seu termo gerador, ‘árvore’. Este é ¡motivado, mas de sua imotivação nasce uma cadeia motivada. Daí Lévi-Strauss haver sintetizado a colocação pós-saussuriana por sua conhecida frase: “O signo linguístico é arbitrário a priori mas deixa de sê-lo a posteriori”. (Luiz Carlos Lima – DCC)