antinomias

VIDE antinomia

(in. Antinomies; fr. Antinomies; al. Antinomien; it. Antinomié).

Com esse termo ou com o termo paradoxos são chamadas as contradições propiciadas pelo uso da noção absoluta de todos em matemática e em lógica. Nesse sentido, as antinomias não eram desconhecidas na Antiguidade, porque fizeram parte dos raciocínios insolúveis ou conversíveis de que se compraziam megáricos e estoicos e que às vezes também foram chamados de dilemas (v. dilema). Tais raciocínios são tratados na Escolástica tardia, nas coleções de Insolubilia ou de Obrigatória; o mais famoso é o do mentiroso, que Cícero já recordava: “Se dizes que mentes, ou estás dizendo a verdade e então estás mentindo, ou estás dizendo mentira e então dizes a verdade” (Acad, IV, 29, 96). Esse paradoxo era discutido no séc. XIV por Ockham (Summa log., III, III, 38). Na lógica contemporânea, a primeira contradição desse gênero foi evidenciada por Burali Forti em 1897 e se referia à série dos números ordinais: se a série de todos os números ordinais tem um número ordinal, que seja, p. ex., w também w será um número ordinal, de tal modo que a série de todos os números ordinais terá o número w + 1, maior do que w, e w não será o número ordinal de todos os ordinais (“Uma questão sobre os números transfinitos”, em Rend dei Circolo Matemático di Palermo, 1897). Mas o mais famoso paradoxo, o que chamou mais a atenção, foi o de Russell, referente à classe de todas as classes que não são membros de si mesmas. Há classes que não são membros de si mesmas, como p. ex., a classe dos homens: esta, não sendo homem, não é membro de si mesma. Há, porém, classes que são membros de si mesmas, como a “classe dos conceitos”, que é também um conceito. Ora, a classe de todas as classes que não são membros de si mesmas é ou não é membro de si mesma? Se é, contém um membro que é membro de si mesmo e, portanto, não é mais a classe de todas as classes que não contêm a si mesmas como membro. Se não, será uma das classes que não contêm a si mesmas como membro e deve, por isso, pertencer à classe de tais classes. Esse paradoxo publicado por Russel em 1902 deu depois lugar à reorganização feita por Whitehead e Russel na lógica matemática (Principia mathematica, 1910-13). Outros paradoxos são os de Köning (1905), de Richard (1906), de Grelling (1908), de Jourdain (1913); mas, como notou Russell, pode haver um número indefinido de paradoxos com a mesma característica, a auto-referên-cia ou a reflexividade. Em cada um deles se diz alguma coisa de todos os casos de um dado gênero e, do que se diz, nasce um novo caso que é e não é da mesma espécie daqueles aos quais o todos se refere. Portanto, a solução óbvia das antinomias é a que apresenta regras capazes de impedir a referência auto-reflexiva de onde nascem as antinomias Tal é o princípio adotado por Russell: “Tudo o que implica o todo de uma coleção não deve ser termo da coleção”, ou inversamente: “Se, admitindo que certa coleção tem um total, ela teria membros definíveis somente em termo daquele total, então a dita coleção não tem total” (Mathematical Logic as Based on the Theory of Types, 1908, em Logic and Knowledge, p. 63). A mesma exigência era apresentada por Poincaré, na forma da exclusão das definições impredicativas, isto é, das definições que implicam um círculo vicioso.

Todavia, essa simples exigência negativa, sobre a qual todos os lógicos estão de acordo, não é suficiente porque não fornece um critério exato para distinguir o uso legítimo do ilegítimo da palavra todos. E, sobre qual possa ser esse critério, os lógicos não estão de acordo. Contudo, é possível distinguir dois tipos de soluções que podem ser atribuídas, respectivamente, a Russell e a Frege.

1) A primeira solução consiste em distinguir vários graus ou tipos de conceitos e em limitar a predicabilidade de um tipo em relação ao outro. A teoria dos tipos de Russell responde a essa exigência. Segundo essa teoria, devem-se distinguir: conceitos de tipo zero, que são os conceitos individuais, isto é, os nomes próprios; conceitos de tipo um, que são propriedades de indivíduos (p. ex., branco, vermelho, grande, etc); conceitos de tipo dois, que são propriedades de propriedades, e assim por diante. Isso posto, a regra para evitar a antinomias é a seguinte: um conceito nunca pode servir de predicado numa proposição cujo sujeito seja de tipo igual ou maior do que o próprio conceito. Essa teoria foi exposta por Russell no apêndice de Principles of Mathematics, de 1903.

Em seguida, nessa teoria dos tipos, o próprio Russell inseriu uma teoria dos graus, dando lugar à chamada teoria ramificada dos tipos, que ele expôs em 1908 (no artigo já citado) e que está na base dos Principia mathematica. Segundo essa teoria, são de grau zero ou elementares as funções proposicionais ou predicados que não contêm nenhuma variável aparente (entendendo-se por variável aparente a que se repete numa função independente dela, não no sentido de ter o mesmo valor para cada valor da variável, mas no sentido de que os valores particulares desta não mudam a natureza da função). São de grau um as funções proposicionais apresentadas de uma variável aparente cuja classe de variação é um conjunto de objetos individuais. São de grau dois as apresentadas de uma variável aparente que está no lugar de uma função proposicional de grau um; e assim por diante. Isto posto, estabelece-se a regra segundo a qual não podem ser tratadas no mesmo plano proposições que podem ser extraídas de funções de grau diferente. P. ex., a antinomias do mentiroso depende do fato de a fraseeu minto” ser interpretada no sentido de “Qualquer que seja a minha presente afirmação x, x é uma mentira”, e de se identificar essa frase, que chamamos y, com a afirmação x. Mas na realidade y é de grau diferente de x porque x é a variável aparente contida em y, por isso, não pode ser identificada com y. Em outras palavras, quando se diz “eu minto”, não se entende que a própria fraseeu minto” seja uma mentira, mas que é mentira alguma outra frase a que ela se refere. Russell, porém, para tornar possível, em matemática, o tipo de asserção impropriamente expressa com a frase (que dá lugar às antinomias) “todas as propriedades de x”, introduzia o axioma das classes ou axioma de redutibilidade. Dizia: “Seja fx uma função de qualquer ordem de um argumento x, que pode ser um indivíduo ou uma função de qualquer ordem. Se f é da ordem imediatamente superior a x, escrevemos a função na forma f ! x; nesse caso, chamaremos f de função predicativa. Assim, a função predicativa de um indivíduo é uma função de primeira ordem. Para argumentos de tipo mais alto, as funções predicativas tomam o lugar que as funções de primeira ordem têm em relação aos indivíduos. Concluímos então que toda função é equivalente, para todos os seus valores, a alguma função predicativa do mesmo argumento” (Mathematical Logic, 81-82). Russell acreditava ter salvo desse modo o conceito de classe da antinomias e, ao mesmo tempo, tê-lo tornado ainda utilizável em sua função fundamental, que seria a de reduzir a ordem das funções proposicionais. Mas esse axioma suscitou muitas críticas, que mostraram especialmente que seu efeito era restaurar a possibilidade das definições impredicativas que a teoria dos graus tendia a eliminar (cf. sobre tais críticas antinomias Church, Introduction to Mathematical Logic, § 59, n. 588). O mesmo Russell, na introdução à 2a edição de Principia mathematica (1925), recomendava o abandono do axioma da redutibilidade.

Ramsey propôs então dividir as antinomias em duas categorias: as antinomias lógicas (em sentido estrito), que são as exemplificadas pela antinomias de Russell e que não fazem referência à verdade ou à falsidade das expressões; e as antinomias sintáticas, exemplificadas pela antinomias do mentiroso, que nascem da referência semântica e podem, portanto, ser chamadas de semânticas ou epistemológicas (Foundations of Mathematics, 1931). Ramsey observou que as antinomias da segunda espécie não comparecem nos sistemas logísticos, mas só nos textos que os acompanham e que, portanto, podem ser desprezadas pela lógica, na medida em que esta tem como objeto a construção de sistemas simbólicos. Quanto às antinomias lógicas, porém, Ramsey observou que basta a teoria simples dos tipos, cuja regra fundamental Carnap, seguindo a sugestão de Ramsey, assim formulou: “Um predicado pertence sempre a um tipo diferente do de seus argumentos (isto é, pertence a um tipo de nível mais alto); por isso, um enunciado nunca pode ter a forma ‘F(F)’” (The Logical Syntax of Language, § 60 a). Essa regra basta para evitar as definições impredicativas: de modo que a teoria dos tipos simples é hoje a mais comumente aceita pelos lógicos, no que concerne às antinomias lógicas.

2) A segunda solução fundamental das antinomias diz respeito às antinomias sintáticas, isto é, semântico-epistemológicas, que são aquelas nas quais comparecem reiteradamente os conceitos de verdadeiro e falso. Essa solução consiste em considerar essas antinomias como proposições indecidíveis, isto é, como proposições sobre cuja verdade ou falsidade a estrutura da língua em que são formuladas não permite decidir nem num sentido nem noutro. Mediante a ampliação da língua considerada, tais proposições podem tornar-se suscetíveis de decisão, mas essa ampliação pode dar ensejo a outras proposições indecisas.

Uma solução desse gênero já fora apresentada por Ockham, quando, na análise do paradoxo do mentiroso, reconhecera o caráter indecidível dos enunciados auto-reflexivos. Assim, dizia Ockham, não é legítimo dizer que A signifique “A significa o falso”. Certamente é possível que A signifique o falso, mas justamente porque é possível, e só por isso, A não significa nem o verdadeiro nem o falso (Summa log., III, III, 38).

Esse ponto de vista foi consolidado pelo chamado teorema de Gödel, segundo o qual é impossível provar a não-contradição de um sistema logístico com os meios de expressão contidos no mesmo sistema (“Über formal Unentscheidbare Sätze der Principia Mathematica und verwandter Systeme”, in Monatsch. Math. Phys, 1931). Isto posto, pode-se entender como nascem antinomias sintáticas quando os predicados verdadeiro e falso, referentes a uma linguagem determinada S, são usados dentro dessa mesma linguagem. Por outro lado, a contradição pode ser evitada usando-se os predicadosverdadeiro (em S1)” e “falso (em S1)”, numa sintaxe de S1 não formulada na própria S1, mas em outra linguagem S2 (Carnap, Logical Syntax of Language, § 60 b). Vale dizer que a afirmação “eu minto” pode ser verdadeira em nível de certa linguagem e falsa em nível de outra linguagem; isto é, ela permanece indecisa enquanto não se determinar o nível da linguagem a que se refere. Soluções substancialmente semelhantes a estas foram propostas por Quine (Mathematical Logic, 1940, cap VII; cf. From a Logical Point of View, VII, 3) e por Church (Introduction to Mathematical Logic, § 57). [Abbagnano]