Cassirer é da ideia de que se pode e deve corrigir a definição tradicional de homem. Naturalmente, a definição de homem como animal rationale “mantém o seu valor”, não obstante pretenda ela trocar a parte pelo todo, “pois, além da linguagem conceitual, existe uma linguagem do sentimento e das emoções, além da linguagem lógica e científica, existe a linguagem da imaginação poética. A linguagem não expressa somente pensamentos e ideias, mas, em primeiro lugar, sentimentos e afetos”. Os filósofos que definiram o homem como animal rationale não eram empiristas, observa Cassirer, e não pretenderam dar “explicação empírica da natureza humana. Com essa definição, eles propuseram muito mais um imperativo moral”.
Em suma, a razão é termo pouco adequado se quisermos abraçar em toda a sua riqueza e variedade as formas da vida cultural do homem. “Essas formas são essencialmente formas simbólicas. Ao invés de definir o homem como animal rationale, dever-se-ia, portanto, defini-lo como animal symbolicum. Desse modo, estar-se-á indicando o que verdadeiramente o caracteriza e o que o diferencia em relação a todas as outras espécies, podendo-se entender o caminho especial que o homem tomou: o caminho para a civilização”.
Nesse caminho, na opinião de Cassirer, a ciência corresponde à última fase do desenvolvimento intelectual do homem, “podendo ser considerada como a mais elevada e significativa conquista da cultura. E produto muito raro e refinado, que só pôde tomar forma em condições especiais”. O trabalho científico de Galileu e Newton, de Maxwell e Helmholtz, de Planck e Einstein, não consistiu em simples coleta de fatos: “foi trabalho teórico, mas construtivo”, fruto daquela “espontaneidade e produtividade que estão verdadeiramente no centro de todas as atividades humanas”.
Com a linguagem, a religião e a ciência, o homem construiu o próprio universo, universo simbólico que o põe em condições de compreender e interpretar, de articular e organizar, de sintetizar e universalizar sua experiência. E, desse modo, na cultura tomada em seu conjunto “pode-se observar o processo da auto-libertação progressiva do homem. A linguagem, a arte, a religião e a ciência são fases desse processo. Em todas elas, o homem descobre e demonstra novo poder, o poder de construir um mundo próprio, um mundo ‘ideal’ “.
Sem esconder a multiplicidade, a variedade e a peculiaridade estrutural de cada forma simbólica, a filosofia, diz Cassirer, não pode renunciar à busca da unidade fundamental desse mundo ideal. “Todas as funções se completam e se integram mutuamente. Cada qual descerra novo horizonte e mostra novo aspecto da humanidade. O dissonante está em harmonia consigo mesmo; os contrários não se excluem reciprocamente, mas dependem um do outro; é a ‘harmonia no contraste, como entre o plectro e a lira’.” [Reale]