A palavra “anamorfose” significa uma inversão, uma conversão da forma, um revirar a forma. Originária do século 17, constituía-se numa operação realizada dentro de regras estritas. Visava a ser uma transformação “anárquica regrada”. Seu procedimento de deformação inverte elementos, formas, figuras e perspectivas. A anamorfose projeta as formas para fora de si mesmas de tal modo que elas retornam quando se descobre a nova perspectiva.
A anamorfose alia perversão e criatividade e manifesta, assim, a doença da idealidade. Tudo se torna uma questão de perspectiva.
Primeiro, parece que a anamorfose apenas quer chamar a atenção para a possibilidade de se poder, através da perspectiva da perspectiva, representar, não apenas cada coisa em seu ser-assim de modo imediato, mas de se poder representá-la uma segunda vez, quando se escolhe um segundo ângulo, que garante um tão novo e inesperado olhar sobre as coisas, que parecem quase irreconhecíveis, num primeiro momento, porque manifestadas num distanciamento. Cada fenômeno pode, assim, ser experimentado de modo duplo: de modo “natural” e de modo “anti-natural”.(6)
O princípio da anamorfose, no século 17, não apenas residia no descobrimento das possibilidades de uma dupla perspectiva. Sua particularidade era assinalada pela torção e distorção provocativa e chocante da ordem tradicional.
No universo da arte, a concepção clássica idealista tinha a esperança de poder alcançar ao menos um reflexo da verdadeira, enquanto o maneirismo radicalizava de tal maneira o ponto de partida na concepção da arte até levá-lo ao absurdo com o princípio da anamorfose. Um quadro anamorfótico não quer ser apenas a aparência da essência, mas quer ser, no mesmo ato, o aparecimento da aparência·, o primeiro se procura com o princípio formal da perspectiva e o último, com o princípio formal da anamorfose.(7)
Os maneiristas afirmam que deve haver, no mínimo, duas perspectivas ou mais. Os anamorfóticos procuram produzir isso: eles apresentam a perspectiva da perspectiva como o elemento primeiro e oferecem, com isso, a construção da construção como o imediato para o olhar supreendido do espectador. A imagem familiar, assim, rompia-se e, dado que o olho não mais sabia o que via, esta situação desencadeava, no espectador, choque e fascinação. Por meio do novo empenho construtivista os adeptos da anamorfose queriam ir ao encontro da dissolução do mundo clássico.
Desde o princípio a anamorfose aparece como a antecipação, na pintura, do surgimento do cogito-, com a verdade da consciência, surge, no mesmo ato, o perigo do engano (da ilusão). Esta coincidência e aproximação do conteúdo é documentada, para além do contexto teórico, em conexões temporais, espaciais, históricas, e mesmo biográficas: o eu cartesiano refletia-se na pintura já desde o Renascimento, na beleza dos retratos e autorretratos. Assim, a anamorfose aliava-se, desde o começo, com uma crítica ao cogito e sabotava, já naquela época, sua bela aparência na superfície. A anamorfose apareceu como uma continuação metódica do autorretrato de Parmigianino, que, no começo do concettismo, pela primeira vez representava-se deformado num espelho convexo. Já então começou o jogo escondido com a perspectiva; o refinamento de uma perspectivação da perspectiva produziu absurdidades óticas e, subitamente, com um choque, rompeu a imagem cartesiana do mundo. (8)