alétheia: verdade
A presença e mesmo a possibilidade da verdade estão intimamente relacionadas com a distinção grega entre doxa e episteme e os seus objetos próprios. Assim, não há realmente nenhum (problema crítico até Parmênides distinguir o ser do não-ser, associar este último com a percepção dos sentidos, afirmar que não há verdade no mundo dos fenômenos da doxa (Diels, frgs. 28B1, Bll, B30), e comparar o último com a «Via da Verdade» (ibid. 28B4). Como corolário disto e da concepção da natureza arbitrária das leis e costumes (ver nomos), Protágoras propôs a sua teoria da relatividade da verdade, descrita em Platão, Teeteto 151e-152e, 161e-167a. A teoria aristotélica da verdade e da falsidade assenta na convicção de que a verdade não está nas coisas (Metafísica 1027b-1028a), nem no nosso conhecimento das substâncias simples (onde só é possível o conhecimento ou a ignorância), mas sim no juízo, i. e. no conjugar de conceitos que não correspondem à realidade (Metafísica 1051b, De an III, 430a; ver doxa). Para Epicuro todas as nossas percepções sensíveis são verdadeiras e assim a aisthesis, a sensação, é o critério supremo da verdade (Sexto Empírico, Adv. Math. VII, 9; Lucrécio, De rerum nat. (IV, 469-479; ver prolepsis. Os critérios estoicos são descritos in D. L. VII, 54.
A possibilidade do erro e da falsidade é discutida em doxa e noesis. (FEPeters)
desvelamento, desencobrimento [GA19]
alétheia (he): verdade. Latim: veritas.
Entende-se por alethés o que é incontestável, seja nos fatos (real, verdadeiro), seja nas palavras (evidente do ponto de vista da lógica, verídico do ponto de vista do sujeito que afirma).
A filosofia tem por objeto último atingir a verdade. O filósofo, segundo Platão, é “apaixonado pelo Ser e pela verdade” (Rep., VI, 501d); seu programa é impelir a alma para atingir a Verdade em si mesma (ibid.,Vil, 526b). Para Aristóteles, a filosofia é “a ciência da verdade”: epistéme tês aletheías (Met., a, 1, 993b). Para Plotino, o desejo fundamental da alma é encontrar, para além de todas as outras formas do Ser, “aquilo que é mais verdadeiro que o verdadeiro” (VI, VII, 34).
– Verdade ontológica. Para Parmênides, há dois caminhos para a pesquisa: a opinião, que conduz ao não-ser, e o pensamento (nóema / noema), que conduz ao Ser, ou seja, à verdade (fr. I, 30, II, 1-8, VIII, 39-40, 50-52). Para Platão, a Verdade nos é frequentemente apresentada como aquilo que existe para além dos sentidos e do mundo sensível. A alma “atinge a verdade” quando, graças ao raciocínio, ela vê que os Seres (tà ónta / ta onta) se lhes revelam (Fédon, 65-bc); é esse desejo de verdade que a lança à cata dos Seres (ibid., 66a); pois o objeto de nossos profundos desejos é a verdade (ibid., 66b). Por isso, aquele que orienta assim a sua busca é o verdadeiro filósofo; textualmente: “o verdadeiramente filósofo”: alethôs philósophos / alethos philosophos (ibid., 64b e). Do mesmo modo, existe uma opinião verdadeira, alethès dóxa / alethes doxa, que nos conduz ao bem real que deve ser praticado neste mundo (Mênon, 98c). Para Aristóteles, a verdade consiste em conhecer o Ser em si: tò ón auto / to on auto (Met.,Theta, 10). Para Epicuro, o critério da verdade são as sensações (DL., X, 31). Para Plotino, a verdade se realiza na visão do Bem: tò agathon / to agathon. (VI,VII, 34).
– Verdade lógica. Platão nos mostra Sócrates pronto a reiniciar a discussão, pedindo aos ouvintes que se preocupem com a verdade (Fédon, 91c). Segundo Aristóteles, o estudo das categorias é distinguir o verdadeiro do falso (Cat., IV); é também o objeto do tratado Da interpretação (De int., I). Em Metafísica (E, 4) e no tratado Da interpretação (I), ele aborda o sentido do Ser como verdadeiro, oposto ao não-ser como falso (pseudés / pseudes); e, adiante (0,10), pede que se examinem o Ser e o não-ser, que correspondem ao verdadeiro e ao falso, segundo as diferentes espécies de categoria; depois (K, 8), faz da verdade do Ser um exercício do pensamento. Para Epicteto, “a natureza de nossa razão é aquiescer à verdade” (Leituras, I, XXVIII, 4).
– A negação da verdade. Aristóteles relata que, segundo Heráclito, “tudo é verdadeiro e tudo é falso” (Met., T, 8) e, segundo Demócrito, “nada é verdadeiro, ou então a verdade não nos é acessível” (Met., T, 5). Ao contrário, Protágoras afirma que “tudo é verdadeiro” (Sexto Empírico, Aàv. hg., I, 60). O próprio Sexto, por sua vez, raciocina assim: Se digo “tudo é falso”, entendo que essa proposição é verdadeira; entendo o mesmo se digo: “Nada é verdadeiro.” Assim, afirmam-se ao mesmo tempo o verdadeiro e o falso (Hypot., I, 7). Finalmente, não existe critério algum de verdade (ibid., II, 4). [Gobry]
ALETHEIA — VERDADE
NT — mais de 100 entradas, a maioria em João
Jo 14:6 Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.
Citações dos Padres da Igreja — em nosso site francês
Orígenes
Pragmata (vide praxis) é frequentemente usado por Orígenes como sinônimo de mysteria ou de aletheia e designa os mistérios supremos, as realidades divinas.
Ananda Coomaraswamy: ALETHEIA
Frithjof Schuon: PERSPECTIVAS ESPIRITUAIS E FATOS HUMANOS
Pode-se certamente provar toda verdade; mas toda prova não entra em todas as mentes. Nada é mais arbitrário do que rejeitar as provas clássicas de Deus, pois cada uma é válida em relação à certa necessidade de causalidade. Esta necessidade de causalidade aumenta, não em proporção ao conhecimento, mas em proporção à ignorância. Para o sábio, cada estrela, cada flor, prova metafisicamente o Infinito.
A verdade é a razão de ser do homem; ela constitui nossa grandeza, e nos mostra nossa pequenez.
Não há grandeza real fora da verdade.
Se queremos que a verdade viva em nós, devemos viver nela.
Verdade e santidade (hagiasmos): todos os valores estão nestes dois termos; tudo o que devemos amar e tudo o que devemos ser.
PÉROLAS DE UM PEREGRINO
É necessária a verdade para a perfeição (katartismos) da virtude (arete), como é necessária a virtude para a perfeição da verdade.
Jacques Bonnet: I.N.R.I.
Analisando o diálogo entre Pilatos e Jesus em João (18), Bonnet se indaga sobre o sentido da afirmação: “dar testemunho à verdade”, cujo breve comentário de João Crisóstomo só diz que “para persuadir a todos daquilo” (Hom. 83 in Iohan), Denys le Chartreux é mais sugestivo: “É para dar testemunho a mim mesmo”, pois diz “Eu sou a Verdade”.
O que é a Verdade? é pergunta que se impõe: a verdade em João se identifica com o Espírito Santo, assim como a mentira com o espírito de perdição (1Jo 5 6): “É o espírito que testemunha porque o espírito é a verdade”. “O espírito da verdade habita em vós e está em vós (Jo 14,17). “O espírito de verdade vos guiará para a verdade inteira” (Jo 16,13).
O termo grego empregado é aletheia. Mas ao invés de se buscar o sentido no contexto grego (o que não é oculto; ou as elaboradas análises de Martin Heidegger), é preferível ver seu emprego na Septuaginta onde traduz o hebraico emet. Logo, é deste modo que João a usa em seu prólogo onde a une: “a graça e a verdade”, expressão hebraica correspondente “hesed ve emet”, ocorrendo inúmeras vezes no AT.
Por vezes se traduz emet por “fidelidade” ou “lealdade”, ao invés de “verdade”. Assim a primeira ocorrência de hesed ve emet se dá na Torá: E disse: Bendito [seja] o SENHOR Deus de meu senhor Abraão, que não retirou a Sua fidelidade e a Sua verdade de meu senhor; quanto a mim, o SENHOR me guiou no caminho à casa dos irmãos de meu senhor.” (Gen 24:27).
A Cabala segue esta antiga tradição personificando estes atributos divinos, fazendo-os corresponder às duas colunas e diversos graus da Árvore Sefirótica: emet é assim o atributo relativo a Jacó que une graça, misericórdia (atributo de Abraão), ao “terror” de Isaque. A Justiça é o atributo específico de José o Justo, que une o Esposo, emet ou Jacó, à esposa, shalom ou Raquel.