gr. αἵρεσις, airesis = escolha; v. proairesis
Por isso, é necessário estabelecer a diferença entre «o verdadeiro fundamento» e «aquilo sem o que o fundamento não podia ser fundamento» [Fédon, 99b]. Esta diferença entre o plano em que eclode o sentido que dá compreensão a uma determinada situação (πρᾶξις [praxis]) é trazido à expressão, formalmente, como sendo o bem (ἀγαθόν [agathon]) melhor, melhor de tudo (βέλτιον [beltion], βέλτιστον [beltiston]). É a abertura para o bem (ἀγαθόν), uma abertura que tem o caráter de uma escolha (αἵρεσις [airesis]), o que nos permite dar compreensão ao fundamento a partir do qual se obtém inteligibilidade para aquilo por que se passa, isto é, o fundamento para determinarmos o sentido daquilo que se passa «objectivamente».
Só tendo em vista esta dissociação fundamental se obtém o horizonte em questão que nos permite levantar a pergunta sobre o sentido responsável pela situação (πρᾶξις) humana. O «estar agora sentado aqui» é uma expressão que enuncia o que se passa objetivamente. E o que há de comum em todas as mais diversas situações, válido objetivamente para todas elas. Para estarmos sentados é necessário termos um corpo com as características naturais que nos permitam sentarmo-nos com ele em determinados sítios. Mas, por mais pormenorizada que seja a descrição do que se passa objetivamente, nós não conseguimos produzir nenhuma abertura para o sentido que anima e dá compreensão a todas essas situações. Cada uma delas está inserida no plano universal da vida, corresponde a «escolhas» de sentidos diferentes. São essas escolhas que de cada vez nos permitem dar inteligibilidade a diferentes situações, situações completamente heterogêneas e impermeáveis umas às outras, mesmo quando objetivamente se vê e descreve uma e a mesma «coisa».
O plano da causa responsável (αἰτία [aitia]), consignado no termo «sentido compreensivo» (νοῦς [noûs]), é o que nos permite perceber o que é que ordena (διακοσμεῖ [diakosmei]) as nossas situações (πράξεις [praxeis]). A escolha (αἵρεσις) do bem (ἀγαθόν) melhor, melhor de tudo (βέλτιον, βέλτιστον) é o que nos permite uma abertura ao plano de sentido que articula tudo aquilo que vemos objetivamente. É o sentido compreensivo (νοῦς) que tem de ser tido em vista (σκοπεῖ [skopei]), porquanto é por ele (ὑπὸ νοῦ [hypo nou]) que tudo é organizado. Isto é, se recuperarmos a fórmula do Górgias, a organização (τάξις [taxis]) que constitui intrinsecamente cada situação não pode ser dada por aquilo que objetivamente acontece nem mesmo quando procuramos fazer um acompanhamento exaustivo, escrutinando e recenseando tudo aquilo que está dado a ver. A explicitação de tudo por quanto se passa tem antes de ser procurada num plano irredutível ao fato constituído no mundo, um plano que está numa dimensão não coisal.
É nesta constelação de problemas que se pode levantar a questão de saber como é que se pode ter um acesso autêntico ao sentido das mais diversas situações por que se passa. Ou seja, se no plano neutral «dos entes naturais» (φύσει ὄντα [physei onta]) há uma dificuldade em anular o ponto de vista mimético a partir do qual lhes acedemos, maior será ela no plano da situação humana (πρᾶξις) por maioria de razão, sendo aqui a ambiguidade levada ao extremo. Podemos também não perceber se o acesso que temos ao bem (ἀγαθόν) de cada situação é um acesso autêntico ou meramente mimético. Pode ser que não tenhamos um acesso ao modo como é o ser de cada situação, mas tão-somente ao modo como nos parece que as coisas são. Como podemos ter acesso à organização (τάξις) e à excelência (ἀρετή [arete]) de cada situação? [CaeiroArete:73-75]