Vemos em que direção se comprometia Aron: ele representa satisfatoriamente aquilo que chamaremos a ala direita da fenomenologia e, apesar de seu trabalho não poder comparar-se ao livro de Monnerot já citado, ele impunha à história a mesma emasculação que aquele fazia à sociologia. Ele era fortemente influenciado pelo Dilthey da Weltanschauung. É evidente que uma interpretação mecanicista da História deve ser rejeitada; mas, é igualmente evidente que um método compreensivo não se prolonga necessariamente num sistema filosófico. Certamente a ausência dos homens que habitavam esse Mitsein para o qual o historiador se volta torna sua tarefa mais complexa ainda que a do etnólogo; mas nem por isso esse sincronismo, que foi a “época” histórica considerada, oculta um sentido a ser compreendido, sem o que não seria história humana. É necessário que esse sentido nos atraia, que haja portanto dessa época até a nossa e até nós mesmos uma comunicação originária, uma cumplicidade; esta garante em princípio a possibilidade de uma compreensão desse passado. Em suma Aron insistia, posteriormente a Dilthey na descontinuidade do devir, a tal ponto que, ao final, de um período a outro a passagem do pensamento compreensivo se obstruía e era preciso que o historiador fizesse uso de um conjunto de conceitos que ele projetava cegamente no passado, esperando, como um químico empirista, a reação; mas essa descontinuidade não existe, uma história, isto é, justamente uma retomada incessante de seu passado pelos homens e uma protensão para o futuro; suprimir a continuidade histórica é negar que haja sentido no devir; ora, é necessário que haja um sentido no devir, não porque os homens pensam esse sentido ou fabricam sistemas do sentido da história, mas porque os homens vivendo, e vivendo juntos, segregam um sentido. Este é ambíguo na medida em que está precisamente em devir. Do mesmo modo que não existe uma significação pela qual se possa qualificar sem apelação uma subjetividade, porque esta é lançada para um futuro em que as possíveis são abertos e a definirão um pouco mais, assim também o sentido (a direção) de uma conjuntura histórica total não é atribuível uma vez por todas, pois a sociedade global que se encontra afetada por ele não pode ser cerceada como uma coisa que evolui segundo as leis da mecânica e porque, numa etapa desse complexo sistema, não sucede uma etapa, mas um leque de eventualidades. Os possíveis não são inumeráveis e é por isso que existe um sentido na história, mas são vários e por isso não é sem dificuldade que se consegue ler esse sentido. Enfim, esse futuro aberto pertence, enquanto aberto, à própria conjuntura presente, não lhe é superposto; é ela que se prolonga nele como na sua própria essência; uma greve geral não é apenas o que ela é, também e não menos aquilo em que ela se vai tornar; se termina por um fracasso e o recuo da classe operária, ela será compreendida como um sobressalto reprimido, como um combate de retaguarda, ou como uma advertência, segundo a natureza da etapa seguinte, ou então, convertendo-se em greve política, toma um sentido explicitamente revolucionário; em todos os casos seu sentido definitivo é adiado progressivamente ao longo do desenvolvimento histórico, motivo pelo qual ela não tem propriamente um sentido definitivo, uma vez que esse desenvolvimento não termina.
O erro de Aron é, evidentemente, ter tomado o sentido da história no nível do pensamento desse sentido e não no nível desse sentido vivenciado, tal como a sociologia nos revelava ainda há pouco. Assim também as dificuldades encontradas pelo historiador para restaurar o núcleo significante de um período, essa “cultura culturante” a partir da qual a “lógica” do devir dos homens transparece claramente através dos acontecimentos e os organiza num movimento, não são essas dificuldades as mesmas de um etnólogo? É claro que na medida em que o historiador se aplica a sociedades “históricas” cabe-lhe revelar ademais a razão do movimento, revelar a evolução de uma cultura, reunir-lhe os possíveis abertos a cada uma de suas etapas. Do mesmo modo, como era preciso “compreender por uma transposição imaginária como a sociedade primitiva se fecha em seu futuro, torna-se sem ter consciência de sua transformação e de certa forma se constitui em função de sua estagnação”, assim também é necessário “situar-se no curso da sociedade progressiva para apreender o movimento do sentido, a pluralidade dos possíveis, o debate ainda aberto” (Lefort).
Não é portanto porque o historiador está preso à história e porque seu pensamento é por sua vez um acontecimento que a história, que ele constrói, fica invalidada nem que esse pensamento não possa ser verdadeiro deva satisfazer-se em exprimir uma Weltanschctuung transitória. Quando Husserl protesta contra a doutrina historicista e exige da filosofia que ela seja uma ciência rigorosa, não procura definir uma verdade exterior à história, permanece, ao contrário, no centro de sua compreensão da verdade: esta não é um objeto intemporal e transcendente, é vivenciada no fluxo do devir, será corrigida indefinidamente por outras vivências; é pois “omni-temporali”, em vias de realização, e pode-se dizer dela aquilo que dizia Hegel: ela é um resultado — com a nuance porém de que sabemos que a história não tem fim. A historicidade do historiador e seu engrenamento numa coexistência social não impedem que a ciência histórica seja feita, são ao contrário condições de sua possibilidade. E quando Aron conclui que “a possibilidade de uma filosofia da história se confunde finalmente com a possibilidade de uma filosofia a despeito da história” (op. cit., 320-321), admite implicitamente uma definição dogmática da verdade intemporal e imutável. Esta se encontra com efeito no centro de todo pensamento, ela compromete todo um sistema filosófico latente, e demonstra ser radicalmente contraditória à apreensão da verdade em movimento, que Husserl, em seus últimos escritos, exprime com ênfase.
A fenomenologia não propõe portanto uma filosofia da história, mas responde afirmativamente à pergunta que fizemos no começo deste capítulo, se não quisermos pelo menos reduzir o sentido da palavra ciência a mecanismo, e se levarmos em consideração a revisão metodológica que foi esboçada a propósito da sociologia. Ela propõe uma retomada reflexiva dos dados da ciência histórica, uma análise intencional da cultura e do período definidos por essa ciência e a reconstituição da Lebenswelt histórica concreta graças ao qual o sentido dessa cultura e desse período transparece. Esse sentido não pode em caso algum ser pressuposto e a história não se lê através de tal “fator”, seja ele político, econômico, racial; o sentido é latente porque originário, deve ser reconquistado sem pressuposto, se nos deixamos guiar pelas “próprias coisas”. Essa possibilidade de apreender outra vez a significação de uma cultura e de seu devir funda-se em princípio na historicidade do historiador. O fato de que a fenomenologia se situa por sua vez na história e que, com Husserl, seja identificada como uma oportunidade de salvaguardar a razão que define o homem, que tenha tentado introduzir-se não só por uma meditação lógica pura mas por uma reflexão sobre a história presente, demonstra que ela não se compreendeu a si mesma — como uma filosofia exterior ao tempo ou como um saber absoluto que resume uma história terminada. Ela aparece a si mesma como um momento no devir de uma cultura e não vê sua verdade em contradição com sua historicidade, pois.faz dessa historicidade uma porta sobre sua verdade.
Essa significação histórica que a fenomenologia avoca a si é precisamente contestada pelo marxismo que lhe atribui outro, bastante diferente. [Lyotard]