VIDE noûs
Os seres que conhecem podem, pois, ser ou tornar-se todas as coisas. 0 que exatamente será preciso entender por isso? Que no termo do processo de conhecimento o sujeito que conhece faz-se um com as coisas que conhece. Visto sob este prisma, o conhecimento manifesta-se sob o aspecto de uma certa identificação do sujeito e do objeto. Tal concepção encontra-se em diversos lugares no “De Anima:” o ato do sensível e do que sente são um só e mesmo ato “(III, c. 2, 425 b 26); “existe um intelecto que é tal como a matéria, porque se faz todos os inteligíveis” (III, c. 5, 430 a 13) ; “acrescentemos que a alma é, em um sentido, todas as coisas” (III, c. 8, 431 b 21). Tomás de Aquino explicará esta doutrina com o adágio tantas vezes repetido: “Intellectus in actu est intellectum in actu.”
Para penetrar no sentido de tais fórmulas, seria conveniente se colocar na linha da velha teoria imaginada por Empédocles para explicar o conhecimento: o semelhante, dizia ele, é conhecido pelo semelhante. No seu pensamento, isto significava que os elementos exteriores, a água, o ar, a terra e o fogo eram conhecidos respectivamente pela água, pelo ar, pela terra e pelo fogo, e a mistura desses elementos constituía o órgão perceptivo. Aristóteles abandona evidentemente o que esta teoria tinha de grosseiro. Os elementos não estão por si mesmos nos sentidos, mas somente pelas suas representações. Além disso, precisa melhor Aristóteles, antes de conhecer, a faculdade não contém de nenhum modo em ato seu objeto: a “forma inteligível” não está em potência no intelecto, a alma é primitivamente como um quadro sobre o qual não há nada escrito: “sicut tabula rasa”. A entrada do inteligível só se produz no momento do ato e só então é verdadeiramente certo dizer-se que o intelecto (em ato) é o inteligível (em ato). Nesta perspectiva, a expressão em causa tem uma significação de um lado negativa: o intelecto (em potência) não é o inteligível; e positiva: o intelecto identifica-se com o inteligível quando o intelecto está em ato. A afirmação precedente se esclarece ainda de outro modo. Estudando o movimento nos “físicos”, o Estagirita tinha concluído que para o motor e para o movido há um só e mesmo ato, e que este ato único encontra-se, como em seu sujeito, no que é movido. Aplicando à sensação esta lei geral, conclui Aristóteles (De Anima, III, c. 2, 425 b 25 ss.) que o sensível e o senciente têm um ato comum subjetivado no senciente. O mesmo vale dizer para a intelecção na qual se unificam a inteligência e o inteligível; a identificação destes dois termos é então muito mais profunda.
Perguntou-se se esta identificação do sujeito e do objeto deveria ser entendida como sendo do ato primeiro, (informação pela “species quo”), ou do ato segundo, (informação pela “species quod). Aristóteles, que não fez distinção de “species”, não colocou a questão. Mas pode-se por ele responder que a identificação realiza-se proporcionalmente nos dois estádios do ato intelectual. Desde que a semelhança exterior é recebida, há uma certa união do sujeito e do objeto; mas esta só atinge sua perfeição quando o conhecimento está terminado.
A identificação do sentido e do objeto encontra-se nos diversos graus dos seres dotados de conhecimento. Afirma-o Tomás de Aquino diversas vezes (I Sent. a. 35, q. 1, a. 1, ad 3; I, q. 87, a. 1, ad 3). O modo de união é proporcional a cada caso.
Em Deus (cf. Ia Pa, q. 14, a. 2) a união realizada é máxima. Sob nenhum aspecto há distinção real do cognoscente e do conhecido, e estando a divina essência imediatamente presente a si mesma, não há necessidade de nenhuma semelhança para informar a inteligência; a identidade realizada é substancial e absoluta: “pelo fato de em Deus não existir potência alguma e de ser ato puro, segue-se que nele inteligência e inteligível são idênticos sob todos os pontos de vista… omnibus modis”.
Se o cognoscente e o conhecido, mesmo que distintos realmente, estiverem, contudo, do ponto de vista objetivo, presentes imediatamente um ao outro, não é necessário, também nesse caso, uma semelhança para realizar a união; basta aqui a informação direta da potência considerada. Há então identificação por união imediata de duas entidades preexistentes. É o que se realiza na visão beatífica, ou quanto à “species quo”, no conhecimento do espírito puro por si mesmo.
Enfim, no grau inferior encontra-se o intelecto humano que, não podendo ser imediatamente informado pela essência dos objetos inferiores, deve, para conhecê-los, receber antes suas semelhanças. Aqui ainda pode-se falar de identidade do cognoscente e do conhecido, mas segundo um modo evidentemente menos perfeito. [Gardeil]