Cassirer não submeteu somente as ciências a análise filosófica. Indo além dos marcos das “duas culturas”, ele também pretendeu, com A Filosofia das Formas Simbólicas, “delimitar as diversas formas fundamentais da ‘compreensão’ do mundo umas em relação às outras e captar cada uma delas o mais claramente possível em sua tendência peculiar e em sua forma espiritual peculiar”. Essas formas fundamentais de “compreensão” do mundo são “formações simbólicas” como o mito, a arte, a linguagem ou também o conhecimento.
Somos nós que plasmamos o mundo com a nossa atividade simbólica, criando e fazendo mundos de experiências: “o mito e a arte, a linguagem e a ciência são (…) sinais que-tendem a realizar o ser”, direções da vida humana, formas típicas da ação humana. E uma filosofia do homem, escreve Cassirer, deveria ser “filosofia que faça conhecer a fundo a estrutura fundamental de cada uma dessas atividades humanas e que, nesse meio tempo, faça por onde entendê-las como um todo orgânico”. As formas simbólicas — isto é, a linguagem, a arte, o mito e a ciência — “dão forma e sentido”, vale dizer, estruturam o modo de ver o mundo, criam mundos de significados, organizam a experiência.
Com efeito, “inserido entre o sistema receptivo e o sistema relativo (encontráveis em todas as espécies animais), existe no homem terceiro sistema, que se pode chamar de sistema simbólico, cujo aparecimento transforma toda a sua situação existencial. Confrontando com os animais, observa-se que o homem não somente vive em realidade mais vasta, mas também, por assim dizer, em nova dimensão da realidade”.
O homem é animal cultural, diriam os etólogos. E Cassirer o chama de “animal symbolicum”. Os animais têm sinais, os homens produzem símbolos. “A diferença entre linguagem proposicional e linguagem emotiva constitui o verdadeiro limite entre o mundo humano e o mundo animal”. E o nascimento da linguagem descritiva ou proposicional que desencadeia o desenvolvimento da “cultura”, isto é, da “civilização”. Com efeito, escreve Cassirer, “é inegável que o pensamento e o comportamento simbólico são os aspectos mais característicos da vida humana e que todo o progresso da cultura baseou-se neles”.
O homem é animal symbolicum. Com a sua atividade simbólica, ele superou “os limites da vida orgânica”. E agora “não se pode fazer nada contra essa subversão da ordem natural. O homem não pode se subtrair às condições de existência que ele próprio criou: deve se conformar a elas. Ele não vive mais em universo somente físico, e sim em universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião são partes integrantes desse universo, são os fios que constituem o tecido simbólico, a intricada trama da experiência humana. Todo progresso no campo do pensamento e da experiência fortalece e adensa essa rede”.
De fato, afirma Cassirer, está fora de qualquer dúvida que “o homem não se encontra mais diretamente diante da realidade: por assim dizer, ele não pode mais vê-la face a face. A realidade física parece retroceder à medida que a atividade simbólica do homem avança. Ao invés de se defrontar com as próprias coisas, em certo sentido o homem está continuamente em colóquio consigo mesmo. Ele cercou-se de formas linguísticas, de imagens artísticas, de símbolos míticos e de ritos religiosos a tal ponto que não pode mais ver e conhecer nada senão por meio dessa mediação artificial”.
E a situação é a mesma no campo teórico e no campo prático. Também no campo prático o homem não vive em um mundo de puros fatos: ele vive muito mais “entre emoções suscitadas pela imaginação, entre medos e esperanças, entre ilusões e desilusões, entre fantasias e sonhos. Como disse Epicteto, ‘aquilo que perturba e agita o homem não são as coisas, senão suas opiniões e fantasias em torno das coisas’ “. [Reale]