É palpável que o ceticismo radical ou absoluto é autodestruidor. Ele afirma que o conhecimento é impossível. Com isso, porém, ele expressa um conhecimento Consequentemente, trata o conhecimento como sendo, de fato, possível, mas, ao mesmo tempo, afirma que ele é impossível. O ceticismo padece, assim, de autocontradição.
O cético poderia certamente encontrar uma saída. Poderia indicar o juízo “o conhecimento é impossível” como duvidoso e dizer: não há nenhum conhecimento, e mesmo isto é duvidoso. Também aqui, porém, há um conhecimento sendo expresso, a saber, o conhecimento de que é duvidoso que haja conhecimento. Por um lado, portanto, a possibilidade do conhecimento será afirmada pelo cético e, por outro, será posta em dúvida. No fundo, encontramo-nos diante da mesma autocontradição de antes.
Conforme os céticos antigos já reconheciam, o representante do ceticismo só pode contornar a autocontradição revelada há pouco se suspender o juízo. A rigor, porém, nem isso basta. O cético não pode, na verdade, realizar nenhum ato de pensamento, pois tão logo o faça estará pressupondo a possibilidade do conhecimento e enredando-se, assim, na mesma autocontradição. A aspiração ao conhecimento da verdade é, do ponto de vista do ceticismo estrito, desprovida de sentido e de valor. Nossa consciência ética dos valores, porém, protesta contra essa concepção. Irrefutável sob o ponto de vista lógico enquanto suspende todo juízo e ato de pensamento -o que, na prática, é certamente impossível -o ceticismo é verdadeiramente batido no campo da ética. Ao fim das contas, não rejeitamos o ceticismo porque podemos refutá-lo logicamente, mas porque nossa consciência ética dos valores o condena na medida em que considera a aspiração à verdade como algo dotado de valor.
Fomos apresentados há pouco a uma forma mitigada de ceticismo segundo a qual não há verdade nem certeza, mas apenas verossimilhança. Se é assim, não posso mais reivindicar a verdade para meus juízos, mas apenas e tão-somente a verossimilhança. Essa forma, porém, acrescenta às contradições de princípio da posição cética ainda uma outra.
Com efeito, o conceito de verossimilhança pressupõe o de verdade. Verossímil é aquilo que se aproxima do verdadeiro. Quem sacrifica o conceito de verdade deve abandonar também o de verossimilhança.
Por tudo o que foi visto, o ceticismo geral ou absoluto é intrinsecamente impossível. Não podemos afirmar o mesmo do ceticismo especial. O ceticismo metafísico, que nega a possibilidade do conhecimento do supra-sensível, pode ser falso, mas não contém nenhuma contradição interna. O mesmo vale para o ceticismo ético e religioso.
Mas talvez não seja apropriado subordinar esse ponto de vista ao conceito de ceticismo. Com efeito, por ceticismo entendemos, antes de mais nada, o ceticismo geral e de princípio. Para os outros pontos de vista mencionados, temos outras denominações. O ceticismo metafísico é comumente chamado de positivismo. Segundo esse ponto de vista, que remonta a A. Comte (1798-1857), devemos nos ater ao que é positivamente dado, aos fatos imediatos da experiência, mantendo-nos em guarda contra toda e qualquer especulação metafísica. Não existe saber ou conhecimento filosófico-metafísico, mas somente o saber e o conhecimento das ciências particulares. Para o ceticismo religioso, empregamos, na maioria das vezes, a designação agnosticismo. Esse ponto de vista, estabelecido por Spencer (1820-1903), afirma a incognoscibilidade do absoluto. O melhor seria conservar a expressão “ceticismo ético”. Aqui, porém, estamos diante daquilo a que vamos ser apresentados logo mais sob o nome de “relativismo”.
Por mais errado que seja o relativismo, não podemos negar a significação que teve para o desenvolvimento espiritual da humanidade e dos indivíduos. De certo modo, ele é um fogo purificador para nosso espírito, purgando-o dos erros e preconceitos e impelindo-o a checar constantemente seus juízos. Quem quer que tenha escutado em seu íntimo o “sei que nada podemos saber” faustiano, fará um trabalho de investigação mais cauteloso e precavido. Na história da filosofia, o ceticismo aparece como antípoda ao dogmatismo. Enquanto o dogmatismo enche o pensador e o pesquisador de exagerada confiança em face da capacidade da razão humana, o ceticismo mantém desperto o sentimento do problema. Crava o aguilhão da dúvida no peito do filósofo, fazendo que este não se aquiete diante das soluções já dadas a um problema, mas continue lutando por soluções novas e mais profundas. [HESSEN, Johannes. Teoria do Conhecimento. Tr. João Vergilio Gallerani Cúter. São Paulo: Martins Fontes, 2000]