Desde que se ultrapasse a ordem sensível, não se trata mais, de modo algum, de uma questão de localização no sentido próprio da palavra, pois não se está mais submetido à condição espacial. As expressões que se referem ao espaço, bem como ao tempo, adquirem então o valor de puros símbolos. E esse gênero de simbolismo é, aliás, natural e inevitável, já que se deve necessariamente utilizar um modo de expressão adaptado ao estado humano individual e terrestre, e uma linguagem que corresponde aos seres que vivem atualmente no espaço e no tempo. Além disso, essas duas formas, espacial e temporal, que sob certos aspectos são mutuamente complementares, têm um emprego muito geral e quase constante, quer unidas numa mesma representação, quer para fornecer duas representações diferentes de uma mesma realidade, a qual, no entanto, em si mesma, está além do espaço e do tempo. Quando se diz, por exemplo, que a inteligência reside no coração, é evidente que não se trata, de modo algum, de localizar a inteligência, de lhe atribuir “dimensões” e uma determinada posição no espaço. Só a filosofia moderna e totalmente profana, com Descartes, pôde colocar a questão, já contraditória em seus próprios termos, de uma “sede da alma”, e pretender situá-la literalmente numa determinada região do cérebro. As antigas doutrinas tradicionais, por certo, jamais deram margem a tais confusões, e seus intérpretes autorizados sempre souberam perfeitamente ao que se ater a propósito do que devia ser entendido simbolicamente, estabelecendo as correspondências entre as diversas ordens de realidades sem confundi-las, e observando estritamente sua distribuição hierárquica segundo os graus da existência universal. (Guénon)