Cruzadas

Guerra proclamada pelo papa em nome de Cristo e travada como iniciativa do próprio Cristo para recuperação da propriedade cristã ou em defesa da Cristandade contra inimigos externos ou internos.

O movimento das Cruzadas, que era num certo sentido uma extensão da guerra que estava sendo travada contra os muçulmanos na Espanha e na Sicília, foi muito influenciado pelo conceito de Santo Agostinho de Hipona de violência divinamente autorizada, conceito esse que foi revigorado pelos reformadores papais durante a Questão das Investiduras. A Primeira Cruzada, pregada pelo papa Urbano II no Concílio de Clermont em 1095, tomou Antioquia em 1098 e Jerusalém em 1099, estabelecendo o principado de Antioquia, os condados de Edessa e Trípoli, e o reino latino de Jerusalém, os quais sobreviveram até 1291. Foi justificada com dois argumentos: a recuperação da herança de Cristo (Jerusalém e a Terra Santa à sua volta) e a defesa de irmãos cristãos no leste contra o avanço muçulmano. Essa dupla causa foi peculiar das Cruzadas para o leste e desde o princípio deu-lhes o caráter de peregrinações. À Primeira Cruzada seguiu-se uma série de grandes expedições, das quais as mais importantes foram a Segunda Cruzada (1146-48); a Terceira Cruzada (1188-92), no decorrer da qual Chipre passou a estar sob domínio latino, sendo governada por europeus ocidentais até 1571; a Quarta Cruzada (1202-04), que se desviou de seu curso, tomou Constantinopla e estabeleceu o domínio latino na Grécia, vestígios do qual sobreviveram até os tempos modernos; a Quinta Cruzada (1217-21) e a Primeira Cruzada de Luís IX da França. Houve também um grande número de empreendimentos menores, e foram estes que no período de 1254-91 se converteram na mais popular forma de Cruzada. Houve Cruzadas e planos para Cruzadas nos séculos XIV e XV; houve cruzados no Mediterrâneo oriental no século XVI; e a Ordem de São João, uma das Ordens Militares que nasceram do movimento, ainda estava envolvida numa guerra ocasional contra os turcos no século XVIII.

A atividade dos cruzados foi estendida à Espanha pelo papa Urbano II quase em seguida a ter pregado a Primeira Cruzada: ele já vinha sendo pressionado no ‘sentido de uma política mais ativa na fronteira ao sul de Barcelona e não queria desviar cavaleiros daí para outras frentes. Até o século XVI, as Cruzadas foram periodicamente pregadas na Espanha. O combate aos adversários políticos do Papado parece ter sido introduzido entre os objetivos das Cruzadas pelo papa Inocêncio II em 1135, quando concedeu uma indulgência aos que lutavam contra os normandos e o antipapa Anacleto; tal política foi extensamente usada pelos papas nos séculos XIII e XIV na Itália, contra os Hohenstaufen e contra os gibelinos. A realização de Cruzadas ao longo do Báltico foi autorizada pelo papa Eugênio II em 1147 e prosseguiu até o século XV. Uma característica das Cruzadas alemãs era serem também guerras de conversão, e os missionários atuavam em conjunto com os cruzados. A primeira Cruzada contra hereges foi deflagrada pelo papa Inocêncio III em 1208, quando perdeu as esperanças na habilidade e disposição dos poderes seculares para esmagar os cátaros no Languedoc. Seguir-se-iam Cruzadas contra os camponeses de Staedinger, na Alemanha, e contra os cátaros na Lombardia, no século XIII, contra os adeptos de frei Dolcino, no Piemonte, no século XIV, e contra os hussitas, na Boêmia, nas décadas de 1420 e 1430.

Do ponto de vista da maioria dos seus contemporâneos, essas cruzadas eram todas igualmente válidas, embora uma Cruzada em defesa da Terra Santa ou para a reconquista de Jerusalém tivesse mais prestígio e fosse o padrão pelo qual se aferia o mérito das demais. Por vezes, no século XIII, os papas desencorajavam Cruzadas numa direção, a favor de mais esforço e mais recursos numa outra. Acabaram por envolver-se ativamente em decisões estratégicas desse gênero, em parte porque após a instauração da tributação obrigatória de rendimentos clericais em favor das Cruzadas, havia, pelo menos em teoria, vastas somas de dinheiro com que as expedições podiam ser dotadas. Houve críticas ocasionais às Cruzadas — algumas delas radicais — engendradas em parte pela irritação que essa tributação causou, mas de modo geral não parece que elas representassem a opinião pública.

De 1095 até pelo menos 1400, as Cruzadas foram uma atividade devocional genuinamente popular, sendo o período de sua maior popularidade o de 1187 a 1250. Atraindo leigos de todas as classes, eram acompanhadas por exercícios penitenciais e litúrgicos que constituíam características marcantes do culto popular da época. Alguns dos participantes tomavam votos baseados nos dos peregrinos, e também recebiam indulgências. As primeiras indulgências eram declarações solenes que tornavam a Cruzada um exercício de penitência tão severo que absolvia o cruzado de todos os seus pecados anteriores. A ideia mais avançada, proposta na década de 1140, sustentava que a satisfação nunca podia ser adequada e que, por conseguinte, a indulgência era uma livre e generosa remissão do castigo devido por se pecar. Essa ideia só foi definitivamente adotada para os cruzados no pontificado de Inocêncio III.

Embora cada Cruzada deva ter tido seus aventureiros, e muitos se beneficiassem materialmente ao se instalarem na Palestina, Síria, Grécia, Espanha e no litoral do Báltico, há poucas provas de que a maioria ganhasse ou pretendesse ganhar outra coisa além de mérito e honra. Com efeito, de acordo com a opinião de seus contemporâneos, era mais sórdido evitar participar numa Cruzada do que ser avarento no apoio a uma Cruzada. (DIM)