Poucos anos depois de ter sido consagrado bispo, em 397, redige Agostinho as suas Confissões. Sente-se deprimido pelas lembranças demasiado vivas da sua juventude, “profundamente atemorizado pelo peso dos seus pecados” (X, 43, 10), pois “o inimigo domina a minha vontade; dela forjou uma cadeia, com a qual me mantém firmemente atado” (VIII, 5, 1). A redação dessa obra equivale a uma terapêutica: o seu enorme esforço para reconciliar-se consigo mesmo. Trata-se ao mesmo tempo de uma autobiografia espiritual e de uma longa prece, com o auxílio da qual Agostinho tenta penetrar o mistério da natureza de Deus. “Eu sou pó e cinza: deixa-me, porém, falar, porque é à vossa misericórdia e à vossa bondade que dirijo minhas palavras e não ao homem que de mim pode escarnecer” (I, 6, 7). Dirige-se a Deus como numa prece: “ó Deus do meu coração”, “ó minha ventura tardia! (Deus dulcedo mea).” “Ordena o que quiseres!” “Dá-me o que eu amo.” Agostinho evoca os seus pecados e dramas da juventude — o furto das peras, o abandono de uma concubina, o desespero diante da morte de um amigo — não pelo seu interesse anedótico, mas para abrir-se a Deus e, portanto, para melhor compreender-lhes a gravidade. O tom emocional das Confissões ainda provoca nos leitores a mesma impressão que causou a Petrarca e aos autores dos séculos seguintes. Trata-se, aliás, da única obra de Agostinho que, em nossos dias, pode ser lida com interesse no mundo inteiro. Como já se tem dito e repetido, as Confissões são “o primeiro livro moderno”. (Eliade)