texto

A diversidade entre diálogo e texto pode permanecer naturalmente encoberta, antes de tudo se aquilo que precisa ser interpretado é um documento escrito e se ele se assemelha a um discurso firmemente estabelecido. Neste caso, não parece haver senão uma transição entre diálogo e texto e não uma cesura. Não obstante, subsiste aí uma cesura: quando o indagamos, o texto nega a resposta.

Essa situação foi descrita no Fedro de Platão. O caráter temerário e perigoso (δεινόν [deinon]) da escrita (γραφή [graphe]) consiste no fato de ela ser similar à pintura; tal como diz literalmente a palavra grega para pintura, ζωγραφία [zographia], ela é uma escrita do vivente, mas uma escrita, na qual o vivente se dissipa. A escrita não consegue dar vida aos seus filhos, mas a sua vida é apenas simulada. Quando perguntamos algo a ela, ela se cala com uma seriedade sagrada [Fedro 275d].

Essas ideias, que na maioria das vezes são compreendidas como uma crítica à escrita, não se mostram como uma tal crítica senão a partir de um pressuposto: o pressuposto de que a escrita é medida a partir do discurso. É justamente contra isso, porém, que somos advertidos no Fedro. Em uma escrita que se mostra como dialógica e que apresenta personagens como se eles falassem, a advertência pode ser particularmente oportuna. Entretanto, a advertência é universalmente válida: não se faz jus à escrita, quando não a reconhecemos em sua essência.

A dificuldade com a escrita, tal como ela é descrita aqui, repousa sobre uma desilusão que remonta, por sua vez, a uma confusão: aquilo que é escrito é tratado como uma pessoa que poderia completar, variar ou elucidar aquilo que diz. Assim, o seu silêncio aparece como uma falha; ele significaria o mesmo que a incapacidade de prestar a informação desejada. Em contraposição ao diálogo, aquilo que é escrito é, ao que parece, deficiente. Todavia, o seu silêncio é em verdade uma recusa do mesmo tipo da que também é própria aos deuses, que não se intrometem no diálogo humano e, com maior razão, não se deixam arrastar para o interior desse diálogo; é por isso que o silêncio daquilo que é escrito é um silêncio dotado de uma seriedade sagrada (σεμνώς [semnos]). Escritos não pertencem ao contexto da vida humana; eles não são pessoas. Quem gostaria de receber informações elucidativas sobre eles é remetido à consistência do escrito, àquilo que se acha presente.

Os λόγοι [logoi] são, então, comparados com a escrita no sentido dos sinais assentados e constatáveis. Poderíamos acreditar que eles disseram algo como que reflexivamente. No entanto, se estamos ávidos por aprender algo com aquilo que foi dito, então eles não nos dão aparentemente a entender senão uma e mesma coisa [Fedro 275d]. Os λόγοι não são sem a escrita, mas eles também não são idênticos à escrita. Enquanto a escrita é a superfície perceptível dos λόγοι, esses se mostram como as unidades complexas que possuem a sua constatação material na escrita – ou seja, nos textos escritos. Eles recusam-se enquanto a escrita e com a escrita, mas se recusam de uma maneira diversa. Enquanto a escrita simplesmente silencia, os textos fazem aquilo que, segundo a sentença de Heráclito [Vs 22, B 93], o senhor do oráculo de Delfos também faz: eles dão a entender. Eles dizem algo como se estivessem refletindo, mas não pensam. Perguntar sobre o pensamento do qual eles provieram seria sem sentido. Este pensamento efetivamente passou e aquilo que se encontra presente não é a sua relíquia; não se trata, neste caso, de uma referência ao fato de se ter um dia pensado aqui.

Os textos “dizem” algo – isso não significa que eles falam. Os textos só existem na escrita e a escrita sempre se cala. Entretanto, há algo nos textos que co-pertence de tal modo ao pensamento, que poderíamos tomá-lo pelo pensamento. Ele está fora do pensamento, mas não é, por assim dizer, separado do pensamento por um muro. Ele é o exterior que é para o pensamento – ele é exterior porque ele mesmo não é pensamento e ele é para o pensamento em razão de sua co-pertinência com ele. Textos não são nada para o que o pensamento poderia se dirigir por si mesmo como que para uma coisa qualquer. Eles oferecem algo ao pensamento e, com isso, o expõem a partir de si. Eles lhe entregam algo que não se encontra em si mesmo e por meio de si mesmo: um sentido, que não é a sua própria direção. Sentido significa direção. Pensemos no “sentido dos ponteiros do relógio”; ele é aquilo que faz com que um movimento seja dirigido, aquilo que faz com que ele se torne mesmo significativo. Na ligação com os textos, o pensamento é posto em ligação. Ele não se aproxima mais a partir de si mesmo de algo que apreende, nem tampouco toca a si mesmo; as coisas só se dão desse modo no primeiro momento da ilusão, um momento no qual consideramos os textos como “pensantes”. Em verdade, ele os coloca em uma ligação que permite que prestemos atenção às suas possibilidades de compreensão. O pensamento só aprende algo sobre “si” quando está fora e aprende de outra forma.

Isso acontece, na medida em que os textos “dão a entender”. Eles fornecem aquilo que nós mesmos temos de compreender, sem a intenção de comunicar e sem a intenção de silenciar algo. Sua escrita está apenas simplesmente presente, legível; eles se acham fora do pensamento. Por meio deles, por meio de tudo aquilo que um texto é no sentido mais restrito e mais amplo do termo, o pensamento alcança uma exterioridade intensa, cognoscível enquanto tal. Trata-se da exterioridade intensa do elemento hermenêutico. Esta é a cena originária do pensamento hermenêutico – de um pensamento que possui o caráter hermenêutico, assim como de uma filosofia hermenêutica que tem por propósito a sondagem desse elemento. [FigalO:80-82]