tese Duhem Quine

Diante do fetichismo dos fatos proclamado pelo positivismo, a consciência dos convencionalistas em relação à relevância do teórico constitui grande passo adiante, que lhes permitiu compreender o dinamismo da ciência, que, além de ter método, também tem história. E a física “progride” (…) porque a experiência produz continuamente novas concordâncias entre leis e fatos e porque, incessantemente, os físicos retocam e modificam as leis para poderem representar os fatos de modo mais exato”.

Precisamente nesse ponto, a propósito do experimento, Duhem deu uma de suas contribuições mais notáveis, levantando a ideia dos controles chamados “holísticos” (ideia retomada em nossos dias pelo lógico W. V. O. Quine, tanto que é chamada de “tese Duhem-Quine”) e a outra teoria, derivada da ideia dos controles holísticos, de que não ocorrem experimenta crucis.

Escreve ele: “O físico se propõe demonstrar a inexatidão de uma proposição. Para deduzir dessa proposição a previsão de um fenômeno, para realizar o experimento que deve demonstrar se o fenômeno se produz ou não, para interpretar os resultados de tal experiência e constatar que o fenômeno previsto não se produziu, ele não se limita a fazer uso de proposição em discussão. Usa também todo um conjunto de teorias aceitas sem reservas. A previsão do fenômeno, cuja falta de concretização deve cortar o debate, não brota da proposição em contestação tomada isoladamente, mas dela relacionada com todo o conjunto das teorias”.

Tudo isso significa que a prova de uma hipótese não pode se efetuar em condições de isolamento dessa hipótese: precisamos também de hipóteses auxiliares (isto é, que ajudem a hipótese em questão a produzir consequências observáveis), de instrumentação (englobando e pressupondo outras teorias) etc. Desse modo, “o físico não poderá nunca submeter ao controle da experiência uma hipótese isolada, mas apenas todo um conjunto de hipóteses. Quando a experiência está em desacordo com suas previsões, ela nos indica que pelo menos uma das hipóteses que constituem o conjunto é inaceitável e deve ser modificada, mas não aponta qual deverá ser modificada”.

E continua Duhem: “O único controle experimental da teoria física que não é ilógico consiste em confrontar todo o sistema da teoria física com todo o conjunto das leis experimentais e avaliar se o segundo conjunto é representado pelo primeiro de modo satisfatório”. E isso, sustenta Duhem, determina a impossibilidade de realizar em física o “experimentum crucis”, segundo o qual (basta pensar no experimento de Foucault para determinar a veracidade da hipótese corpuscular da luz, defendida por Newton, Laplace e Biot, ou da hipótese ondulatória, defendida por Hygens, Young e Fresnel), dadas duas hipóteses incompatíveis, dever-se-ia decidir de modo irrefutável e inequívoco a veracidade de uma ou de outra, realizando uma condição que, em conexão com a primeira, deveria dar certo resultado e, em conexão com a segunda, deveria dar outro resultado. Entretanto, afirma Duhem, isso não é possível: o experimentum crucis pretende afirmar que, se uma hipótese é falsa, a outra necessariamente é verdadeira.

Mas, pergunta Duhem, “duas hipóteses de física constituem alguma vez dilema tão rigoroso? Ousaríamos afirmar que nenhuma outra hipótese é imaginável? (…) O físico nunca está certo de ter efetuado todas as suposições imagináveis: a veracidade de uma teoria se decide por cara ou coroa”. [Reale]