A palavra, conscientia, syn-eidenai, era originalmente consciência de si, e apenas a língua alemã tem duas palavras diferentes para a consciência moral e consciência de si (consciousness). Conscientia: conheço junto com o meu eu, ou, na medida em que eu conheço, estou ciente de que eu conheço. Syn-eidenai: em Platão e Aristóteles, sempre ou principalmente comigo mesma, emauto, hautois, etc. Em grego, a palavra não era usada de um modo especificamente moral. Evidentemente, também posso estar consciente de atos maus, e essa consciência de si (synesis em Eurípedes) pode ser muito desagradável. Essa consciência de si pode ser compreendida como testemunho da minha existência. Na medida em que estou ciente de mim mesma, sei que sou. Se não estou ciente de mim mesma, não sei se realmente sou. Em Agostinho, e mais tarde em Descartes, a questão da realidade, inclusive a minha própria, foi proposta. A resposta de Agostinho foi que posso duvidar se alguma coisa existe, mas não posso duvidar de que duvido.
Aqui já vemos o dois-em-um, a divisão. Posso testemunhar sobre mim mesma. A primeira vez que encontramos o uso terminológico de conscientia em [356] Cícero ela tem esse significado (De Officiis. 3.44); quando estou sob juramento a respeito de algo que está oculto de todos os homens, devo lembrar que tenho um deus como testemunha. Segundo Cícero, isso significa que “meu espírito é minha testemunha” e “o próprio deus não concedeu ao homem nada mais divino” (Nesse sentido, encontramos no Egito, 1500 anos antes de Cristo, um criado real narrando os seus serviços e dizendo: “O meu coração me disse para fazer tudo isso. Foi uma testemunha excelente”). O ponto é o seguinte: testemunhar o que está oculto. Assim, no Novo Testamento, Rom. 2,14 e seguintes, a respeito dos “segredos do homem”, Paulo fala da consciência que presta testemunho e de pensamentos que estão em conflito uns com os outros, deliberando no homem, “que acusam e justificam uns aos outros” como num tribunal. Syneidesis: E este é o testemunho, 2 Cor, 1,12. Em Sêneca: Um espírito (spirit) sagrado que vigia e guarda os nossos atos bons e maus. Assim, a consciência esteve intimamente ligada durante toda a Idade Média com Deus, que conhece os segredos do coração dos homens (Mateus 6.4). [ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. Tr. Rosaura Einchenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 356-357]