A provenienda historial da sequência que liga indissoluvelmente uma a outra autoposição e deposição de si, exaltação e humilhação do cogito, não é difícil de traçar. Ela é como que programada pela série de equivalências colocadas por Kant – Ich = Er = Es (das Ding) – na caracterização formal (vide) do Ich, als denkend, fórmula notável, que é também a formulação propriamente moderna do atributivismo:
Por esse “Eu”, ou esse “Ele”, ou esse “Aquilo” (a coisa) que pensa, nada mais é representado que um sujeito transcendental dos pensamentos = x, que conhecemos somente pelos pensamentos que são seus predicados (“Durch dieses Ich, oder Er, oder Es (das Ding), welches denkt, wird nun nichts weiter, als ein transzendentales Subjekt der Gedanken vorgestellt = x, welches nur durch die, Gedanken, die seine Prädikate sind, erkannt wird” [Cf. E. Kant, Critique de la raison pure, “Dialectique transcendentale”, livre II, “Des raisonnements dialectiques de la raison pure”, chap. 1, “Des paralogismes de la raison pure”, trad. fr. A. Tremesaygues e B. Pacaud, p. 281]).
É dessa primeira equação que decorre o “Es denkt in mir” que, bem antes de Lévi-Strauss, “a psicologia e a etnologia”, um G. C. Lichtenberg e sobretudo um E W. J. Schelling [41] tornaram “familiar” para nós, reformatando, como se verá, o cogito em cogitatur. Não é um enunciado do quarteto de Descombes [v. si mesmo] que não tinha feito uma entrada prévia no debate com Ricoeur. É dessas entradas que a arqueologia deve restituir os contextos de inscrições sucessivos ou alternados. Isso significa, por exemplo, traçar o termo e a noção de supósito utilizados várias vezes por Descombes, glosando ou criticando Ricoeur, em asserções como: “A consciência não é um supósito (um sujeito ao qual atribuir atos e operações), a consciência é uma maneira de ser”, ou: “Vale mais renunciar aqui a qualquer ideia de uma referência, entendendo-se por isso a designação de um sujeito para uma predicação ou um supósito para uma operação”, ou: “Não se trata absolutamente de introduzir um sujeito destinado a receber predicados ou a servir de supósito para operações e acontecimentos”, ou ainda: “Se recusamos, como devemos, atribuir à consciência de qualquer um a função de um supósito de operações, devemos recusar, pela mesma razão, atribuir esse estatuto ao inconsciente”. Em O Complemento [42] do Sujeito, ao explicitar uma vez mais sua dívida com Tesnière, o próprio Descombes assinala que, para fazer isso, ele volta a dar vida a um “velho termo”:
Tirei meu título de um comentário que faz o linguista Luden Tesnière [Cf. L. Tesnière, Éléments de syntaxe structurale] em seu tratado de sintaxe estrutural: o sujeito é um complemento como os outros […]. O modelo do conceito útil de sujeito é aqui a noção sintática de complemento de agente que nos fornece […]. Entre o sujeito de uma frase (o primeiro actante) e o objeto (o segundo actante) há uma diferença semântica (agente/paciente), mas não diferença sintática. Um e outro sáo complementos actanciais do verbo. […] O alcance dessa observação para a filosofia parece-me considerável. A se admitir que o conceito de sujeito de que necessitamos é o do agente, entáo é preciso reconhecer também que o sujeito na frase é designado por um complemento “como os outros”, portanto um complemento que deve significar, tanto quanto o complemento de objeto da frase que narra uma ação transitiva, uma entidade que entra na categoria de supósitos de ação e de mudança (paixão). Retomo aqui o velho termo supósito para designar o indivíduo enquanto ele pode desempenhar um papel actancial em uma história, de modo que se pode perguntar se ele é o sujeito do que acontece, ou se é seu objeto, ou se é seu atributário. [V. Descombes, Le Complément de sujet…, p. 14] [vide pronomes] [LiberaAS:41-43]