Se o futuro inautêntico significa um mero aguardar (Gewärtigen),115 então o aguardar no sentido da excentricidade significa a confiança em que “o futuro” se deixe captar por antecipação, que ele se deixe ordenar segundo determinados princípios ou conceitos. Só agora podemos compreender por que justamente o cálculo do futuro — tal como no exemplo do historiador — desempenha também em outros casos um papel de tamanha importância na excentricidade! Basta lembrar a grande difusão das profecias astrológicas do futuro, das profecias que se “leem” nas cartas de baralho, nas linhas da mão, etc. Em tudo isso, o ser-aí “esquiva-se” de seu mais próprio, de seu autêntico poder- e saber–ser, e enleva-se num futuro “vazio”, isto é, não projetado a partir do próprio ser-aí, mas “simulado”. Entregue, em seu decaimento, a semelhante simulação, ele “esquiva-se”, como costumamos dizer, à sua própria responsabilidade. Mas isso também é apenas um caso limite da excentricidade. [Binswanger, TRÊS FORMAS DA EXISTÊNCIA MALOGRADA]
O anjo-tzelem constitui assim uma espécie de alter ego ou de duplo celeste, a imagem originária na qual todo homem existia no céu e que o acompanha também na Terra (é também assim na doutrina neoplatônica do idios daimon, que, nas palavras de Jâmblico, “existe como paradigma antes que a alma desça na geração” — Myst., 9, 6, 8-10). Importante, do nosso ponto de vista, é a ligação desse tema — que diz respeito, digamos assim, à pré-história e à preexistência do homem — aos motivos profetológicos e escatológicos — relativos à teoria do conhecimento místico — e aos motivos soteriológicos e escatológicos — que dizem respeito ao destino e à salvação do homem; por outras palavras: sua história e sua pós-história. Segundo uma doutrina que se encontra tanto em textos cabalísticos como em escritos herméticos, a visão do anjo pessoal coincide, de fato, com o êxtase profético e com o conhecimento supremo. Em uma compilação cabalística que remonta ao final do século XIII (Shushan sodot), a profecia se apresenta como uma visão súbita de seu duplo: “O segredo completo da profecia, para o profeta, consiste no seguinte: ele vê, subitamente, erguida à sua frente, a figura de si próprio, e se esquece do seu si e este lhe é roubado e ele vê diante de si a figura de seu si, que fala com ele e lhe anuncia o futuro”.8 Em outro texto cabalístico (Isaac Cohen, por volta de 1270), a experiência profética é descrita como uma metamorfose do homem no próprio anjo: “No profeta e vidente, todas as espécies das suas forças enfraquecem e se transmutam de forma em forma, até que ele reveste a força da forma que lhe aparece, e sua força se transmuta então na forma de um anjo, e essa forma, que toma o lugar dele, dá-lhe a capacidade de receber a força profética” [SCHOLEM. Von der mystischen Gestalt der Gottheit, p. 258]. [Agamben, A potência do pensamento]