primado da inteligência

Com a vida intelectiva abordamos o plano da vida propriamente humana: “a operação própria do homem, enquanto homem, é fazer ato de inteligência” (Santo Tomás, Metaph. I, L.1, n.3). Tentemos tomar consciência deste fato comparando, sob seus aspectos gerais, o conhecimento intelectual (próprio do homem) com o conhecimento sensível (comum ao animal e ao homem) (cf. Cont. Gent., II, c. 66 e 67).

Em primeiro lugar é preciso dizer, segundo uma fórmula que volta sempre em Tomás de Aquino, que a inteligência tem por objeto o universal, enquanto o sentido atinge somente o singular: “intellectus est universalium, sensus est particularium”; o que vejo com meus olhos é esta planta determinada e particular; minha inteligência, porém, começa por formar a noção geral de planta. Em segundo lugar, a inteligência capta objetos não sensíveis, como a ideia de verdade, por exemplo, ou a de Deus, enquanto o sentido não pode ultrapassar a percepção das propriedades corporais. A inteligência, além disso, é uma faculdade que pode, por reflexão, tomar consciência de si mesma e de sua atividade; o que não é dado ao sentido, ao menos em um mesmo grau. Poder-se-ia ainda acrescentar, comparando as atividades práticas que competem a cada um destes poderes, que enquanto uma atividade (a que depende da inteligência) é capaz de escolha, a outra (que se origina dos sentidos) é naturalmente determinada; assim, a andorinha constrói seu ninho sempre da mesma maneira.

Fundamentam-se as diferenças no fato de que a inteligência, que é a faculdade do ser, penetra até à essência mesma das coisas, enquanto os sentidos ficam nas particularidades exteriores. E, de qualquer maneira, é formalmente pela sua atividade intelectual que o homem é um animal dotado de razão: homo est animal rationale.

Se compararmos as operações espirituais da alma entre si, uma mesma constatação se evidencia. O ato da vontade, com efeito, sempre supõe um ato da faculdade intelectual que o precede e o informa e assim tem o conhecimento, por este motivo, precedência sobre a ação que, de certo modo, aparece como sua resultante. É o que particularmente se manifesta no caso notável da visão beatífica, a qual só é amor em dependência de uma contemplação. Consciente deste primado da inteligência, Aristóteles já havia proclamado a superioridade do conhecimento desinteressado, ou da “theoria”, sobre as atividades da vida prática.

Tudo isto converge para esta conclusão: a inteligência tem o primado sobre as outras faculdades. [Gardeil]