O homem não pode opor-se epistemologicamente ao divino, como um sujeito a um objeto, desde que ele mesmo está-aí como algo des-fechado por um oferecer mítico–religioso. Entre as possibilidades, formas ou entes desdobrados no mural do Ser encontramos o protagonista humano, consciência emergente de uma afirmação universal e toda ela reportável aos poderes ponenciais-mitológicos. Os elementos fundamentais dessa concepção foram explicitamente formulados, pela primeira vez por Schelling, em sua obra Introdução à Filosofia da Mitologia: “No processo mitológico”, diz Schelling, “o homem não se refere às coisas, mas às potências, que se erguem no interior da consciência e às impulsões, às quais ela obedece. O processo teogônico que dá origem à mitologia é um processo subjetivo, unicamente na medida em que se desenrola na consciência e se manifesta pela formação de representações; mas as causas e consequentemente os objetos dessas representações são as potências teogônicas reais e em si, sob a influência das quais a consciência é primitivamente aquela-que-põe-Deus. O conteúdo do processo é formado não por potências simplesmente representadas, mas pelas próprias potências que criam a consciência e sendo essa o último elo da natureza, criam a própria natureza, e são por consequência potências reais”. [F. W. J. Schelling, Introduction a la Philosophie de la Mythologie. Trad. Vladimir Jankélévich. Paris, Montaigne, 1946, p. 249-250.]
Vemos afirmadas nessas linhas a eclosão simultânea da consciência e da natureza, isto é, da totalidade do ente, através [167] das potências que põem Deus, dessas forças desocultantes inerentes ao processo mitológico. Os desempenhos humanos se apresentam no mesmo nível das outras formações intramundanas e estão expostas ao mundo segundo a mesma lei das outras possibilidades. [VFSTM:167-168]