1. Embora a palavra em si não seja fortemente confirmada até ao tempo de Heráclito, (de fato, aparece anteriormente nos títulos de obras de Anaximandro e Xenófanes), é evidente que a investigação que usa a abordagem metodológica conhecida como Jogos e mais tarde conhecida por Pitágoras como philosophia teve, como assunto principal geral, a physis. Foi assim que a compreenderam tanto Platão (ver Fédon 96a) como Aristóteles (Metafísica 1005a) o qual chama aos primeiros filósofos physikoi, i. e., os interessados na physis. Conglobava estas coisas diferentes mas relacionadas: 1) o processo de crescimento ou genesis (assim Empédocles, frgs. 8, 63; Platão, Leis 892c; Aristóteles, Physica 193b); 2) a substância física da qual eram feitas as coisas, a arche no sentido de Urstoff (assim Platão, Leis 891c; Aristóteles, Physica 189b, 193a); e 3) uma espécie de princípio interno organizador, a estrutura das coisas (assim Heráclito, frg. 123; Demócrito, frg. 242).
2. Os significados 1) e 2) devem ver-se no contexto do teísmo dos pré-socráticos: esta «substância» era viva, daí divina, e logo imortal e indestrutível (ver Aristóteles, De anima I, 411a, Physica III, 203 a-b; Platão, Leis 967a; confrontar Epinomis 991d). Assim a physis dos primeiros filósofos tinha movimento e vida, mas com a remoção enfática, feita por Parmênides, da kinesis do reino do ser (ver on), a noção de physis foi, de fato, destruída, passando a iniciação do movimento para agentes exteriores, v. g. o «Amor e Ódio» de Empédocles (ver Diels, frg. 31A28) e o noûs de Anaxágoras, ou, e aos olhos de Platão esta é a doutrina mais religiosamente perniciosa (Leis 889c), o movimento era casual e necessário, provavelmente em referência aos atomistas (ver tyche). O que Platão acha errado nas teorias contemporâneas da physis é a sua materialidade (Leis 892b) e a ausência de desígnio (techne; ver Soph. 265c). Foi para corrigir estas duas concepções erradas que Platão substituiu a psyche como fonte de movimento.
3. Com Aristóteles há uma reabilitação geral da physis que toma muitas das funções da psyche platônica: é definida (Physica II, 192b) como «o princípio (arche) e a causa (aitia) do movimento e do repouso para as coisas em que está imediatamente presente». Como a psyche, é espiritual porque é primordialmente forma (Physica II, 193a), e atua para um fim (telos; Physica II, 194a). Levantam-se dois problemas: ao substituir a psyche pela physis Aristóteles cortou a ligação entre o movimento e a vida e, por outro lado, entre a finalidade (telos) e a inteligência (noûs). O primeiro é resolvido alargando a physis ao domínio dos elementos inanimados e postulando a doutrina do «movimento natural» para cada um (ver stoicheion, kinoun 8), mas na Physica viu volta-se para uma posição mais platônica: as coisas «animadas», i. e., vivas, têm dentro de si tanto o princípio do movimento como o iniciador do movimento e por isso diferem das coisas inanimadas que têm dentro de si o princípio passivo (paschein) do movimento, mas não o ativo (poiein), que consequentemente tem de operar do exterior (Physica VIII, 255b-256a); assim, todo o movimento, de fato, requer uma causa eficiente (kinoun). No segundo problema, a ligação entre o telos e o noûs, é igualmente ambivalente, estando justapostos na Physica II, 199a dois argumentos para a teologia da physis, um dos quais sugere a presença do noûs enquanto o outro a nega.
4. O monísmo estoico levou à identificação de Deus – natureza – fogo (SVF II, 1027; Cícero, De nat. deor. II, 22, 57). No seu papel imanente e ativo a physis é o logos (Sêneca, De benef. IV, 7) e, ao nível do existente individual, os logoi spermatikoi. É um princípio moral pelo fato de que a finalidade do homem era viver «harmoniosamente com a natureza» (para a moralidade «natural» estóica e para a teoria da interligação da natureza, ver nomos e sympatheia respectivamente).
5. A doutrina plotiniana da natureza está ligada à sua ideia de alma; tanto a alma do universo (ver psyche tou pantos) como as almas individuais imanentes aos homens têm dois aspectos diferentes: um lado superior e contemplativo, a alma em si (embora nas Eneadas IV, 4, 13, seja chamado phronesis) e um lado inferior, a physis, que está eternamente afastada do noûs e cujo enfraquecimento resultante do seu poder contemplativo a fez decair da theoria para a atividade (praxis); ela produz, não mecanicamente, mas como uma forma enfraquecida da contemplação (Eneadas III, 8, 2-5). Dentro da physis individual encontra-se a faculdade vegetativa que opera sem pensamento e sem imaginação (Eneadas IV, 4, 13); ver psyche, telos. [FEPeters]
physis (he): Natureza. Latim: natura.
O substantivo physis deriva do verbo phyo, que quer dizer faço crescer, faço nascer, e, na forma média, phyomai: eu broto, eu cresço, eu nasço. A Natureza se manifesta como potência autônoma que possui, comunica e organiza a vida. Dois sentidos:
– Natureza universal. Se, materialmente, o mundo é um Todo, um conjunto, a Natureza apresenta-se, formalmente, como a Ordem do mundo, como a lei que regra os fenômenos e a alma que vivifica o corpo.
– Natureza intima de cada um. Essência.
Em seu léxico filosófico (Mct., A, 4), Aristóteles tenta encontrar uma definição para physis. E, para isso, seguindo seu método habitual, passa em revista os diferentes sentidos:
– geração (génesis / genesis) dos seres dotados de crescimento. E esse o sentido etimológico;
– causa interna do crescimento, lei imanente à vida;
– matéria-prima dos seres (bronze, madeira);
– substância (ousía / ousia) dos seres naturais.
Conclusão: a natureza, em seu sentido primeiro e principal, é a substância dos seres que têm em si o princípio de seu próprio movimento.
– Natureza universal. O emprego dessa palavra é antigo na história da filosofia. As primeiras obras que expunham o sistema do mundo eram tratados Da natureza (Peri physeos). Assim, esses tratados teriam sido escritos por Tales, Ferecides de Siro (Da natureza e dos deuses), por vários membros da escola pitagórica (Brontino, Alcmêon, Mílon, Filolau), por Xenófanes, Parmênides, Zenão de Eleia, Empédocles e Anaxágoras. Para Pitágoras, a Natureza era mais que o mundo sensível, pois Porfírio explica que ela continha, além deste mundo e dos homens que o habitam, os deuses imortais (Vida de Pitágoras, 48).
O mesmo ocorre com Platão. Ele denigre seus antecessores “que fizeram investigações sobre a Natureza” por terem emitido doutrinas ímpias; de fato, chamaram a Natureza de Tétrade dos quatro elementos (terra, água, ar e fogo), transformando-os nas primeiras qualidades de todas as coisas, sem se preocupar com a alma espiritual (Leis, X, 891b-d). Por isso, ele reúne com o conceito de physis todos os seres, materiais e espirituais, produzidos por uma potência original. Em Fedro (270c), vê a Natureza como Lei Espiritual que rege o universo.
Aristóteles dedica à physis todo o segundo livro de sua Física, pois esta é “a ciência da Natureza”. Ela tem como objeto os seres em movimento (kinoúmena / kinoumena), ao passo que a metafísica tem como objeto as causas e os princípios imutáveis (“imóveis”) dos quais os seres naturais extraem sua origem.
Para os estoicos, a Natureza é o Todo e o absoluto. O mundo é “um vivente único, composto de uma única substância e de uma única alma” (Marco Aurélio, IV, 40), e a ordem que o governa é a Natureza. Assim, a natureza rege eternamente o Todo com leis racionais necessárias e perfeitas. Ela é, pois, divina (D.L.,VII, 89,135,147). Epicuro escreveu um tratado Da natureza, que não chegou até nós. Ele, porém, aproveita outras oportunidades para tecer-lhe elogios: ela é imortal e bem-aventurada, sede da ordem e da unidade (Carta a Heródoto, in D.L., X, 79). Entre os desejos, há os naturais (no masc. sing. physikós / physikos) e necessários, os naturais e não necessários e os que não são naturais nem necessários; são os primeiros que levam ao verdadeiro prazer, fonte da felicidade (Carta a Meneceu, in D.L., X, 149). Para Plotino, a Natureza é a forma do Universo; ela também é uma alma; não a alma do mundo, mas uma alma segunda, produzida pela alma primeira, que possui sensações e inteligência (III,VIII, 2-4). “Uma natureza única (mia) reúne todos os seres: é um grande deus” (V,V, 3).
Locução: katà physin Z kata physin (acusativo): em conformidade com a Natureza. Muito empregada pelos estoicos, mas também pelo peripatético Critolau (Clemente de Alexandria, Stromata, II, XXI, 129).
– Caráter íntimo e permanente de um ser: sua natureza, universal ou individual.
Filolau fala da natureza do número, que é “mestra de conhecimento” (Estobeu, Ed., Intr.). Jâmblico conta que os primeiros pitagóricos estavam conscientes da importância de sua natureza (Vida de Pitágoras, 175). Diógenes de Apolônia constata que cada um dos quatro elementos é diferente dos outros por sua natureza (fr. 2); Heráclito diz que todos os dias têm a mesma natureza (fr. 106). Sócrates – segundo diz Xenofonte – não discorria sobre a natureza do universo (physis tôn pánton — genitivo plural de to pân) (Mem., 1,1,10). Platão emprega abundantemente esse sentido: fala da natureza do homem (Leis, XI, 923b, 931e; IX, 874e), da natureza da alma (Rep., X, 611b, 612a), da natureza do filósofo (Rep., III, 410b), da natureza do Bem (Filebo, 32d), da justiça (Rep., III, 358e), da Beleza eterna (Rep., V, 476b). Aristóteles mostra como, na Natureza, cada realidade tem atributos que constituem sua natureza: a do fogo é a de dirigir-se para o abo; o mesmo ocorre com cada objeto singular: a natureza do leiio é a madeira; a natureza da estátua é o bronze (Fís., II, 1). Por natureza (physei / physei, dativo), os animais são dotados de sensação (Met., A, 1, 980a). Por natureza, o homem é um animal político (Pol., I, II, 9; Ét. Mc, I,VII, 6). Por natureza, os homens nascem livres ou escravos (Pol., I,V, 11).
Para os estoicos, a Natureza é ao mesmo tempo minha natureza; por um lado, a lei de minha natureza é estar incorporado ao Todo; por outro lado, recebi para mim uma natureza na qual triunfa a razão, que quer a submissão das partes ao Todo e do sensível ao inteligível. Assim, a felicidade consiste em “fazer aquilo que a natureza exige do homem” (Marco Aurélio,VIII, 1, 5). É essa harmonia das duas naturezas que constitui o ideal do estoico: segundo Crisipo, “nossa natureza consiste em viver segundo a natureza, a nossa e a do universo” (D.L.,VII, 88). Assim como os estoicos, Epicuro reconhece que a finalidade do homem é estar em conformidade com sua própria natureza (D.L., X, 129), mas com uma forma completamente diferente, pois essa finalidade é o prazer. [Gobry]