VIDE investigação
A ciência pode ser considerada como a soma atual dos conhecimentos científicos, como uma atividade de pesquisa ou ainda como um método de aquisição do saber. O aspecto sob o qual ela se manifesta do modo mais surpreendente, em nossos dias, é seu caráter cada vez mais organizado socialmente. Houve um tempo em que o trabalho científico era a tarefa de alguns, e desenvolvia-se um pouco à margem das instituições. Atualmente, tornou-se um setor importante e, em certos aspectos, decisivo de trabalho social; é fortemente institucionalizado e, por isso mesmo, organizado segundo planos. A parte de fantasia, de acaso, de imprevisibilidade, de criatividade pessoal, que fora tão importante nas primeiras fases do desenvolvimento científico, tornou-se hoje quase marginal. A atividade de pesquisa tornou-se uma profissão como outra qualquer, é exercida em instituições públicas ou privadas que tendem a se organizar segundo o modelo burocrático, elabora-se em função de projetos definidos que, frequentemente, são ditados por motivos exteriores à ciência propriamente dita. Aliás, uma parte cada vez mais importante da pesquisa visa, não a resolver problemas propriamente científicos, mas a utilizar conhecimentos, métodos e um saber-fazer científicos tendo em vista criar novos procedimentos industriais, colocar novos meios à disposição da economia, fabricar novos engenhos militares ou contribuir para realizações visando ao desenvolvimento de uma região ou de um país. Em suma, a pesquisa se tornou um fator de poder, seja na ordem econômica seja na ordem diretamente política. No mais, desde a Segunda Guerra Mundial, a ciência — ou mais exatamente a pesquisa científica — converteu-se num fator político ao qual todos os Estados dão o máximo de atenção, justamente porque é evidente que a capacidade de utilizar os recursos da ciência constitui, hoje em dia, um componente essencial da força econômico-política de uma coletividade. Por toda parte vemos elaborar-se uma política da ciência e construírem-se instituições estatais apropriadas. Cada vez mais a organização da pesquisa tende a tornar-se global, a passar inteiramente para o controle direto ou indireto do Estado. Sem dúvida, devemos levar em conta, aqui, as diferenças entre os vários tipos de regime econômico-político. A organização da ciência pode ser mais ou menos centralizada. Todavia, mesmo onde existem múltiplos centros de decisão independentes, perseguindo seus próprios objetivos, eventualmente em função de interesses particulares, a tendência continua sendo a de realizar tanto quanto possível certa integração das atividades científicas; e isto, de modo a que sejam evitados os duplos empregos, sejam favorecidas as cooperações, eventualmente definidos certos objetivos globais que poderão estabelecer uma espécie de enquadramento geral destinado a tornar compatíveis e, no melhor dos casos, a harmonizar os diversos objetivos particulares Entretanto, antes de considerarmos a pesquisa em seu aspecto social, em seus modos de organização e em suas incidências políticas, devemos nos perguntar o que ela tem de específico e por que adquiriu tanta importância nas sociedades modernas. Em outras palavras, precisamos considerar o fenômeno científico em si mesmo, em seu núcleo essencial. Ora, neste ponto de vista, o que importa são, ao mesmo tempo, o conteúdo da ciência e seu método. Por seu conteúdo, a ciência fornece certo saber sobre a realidade. E por seu método, esforça-se por tornar possível um crescimento regulado desse saber e, mesmo, por aperfeiçoar progressivamente os meios pelos quais ela assegura esse crescimento. Provavelmente, o aspecto mais característico da démarche científica é justamente essa capacidade de progresso, que define certo tipo de evolução. Trata-se, pois, de caracterizar o tipo de saber fornecido pela ciência e de analisar a dinâmica interna da démarche científica. [Ladrière]