O pavlovismo se apresenta como o último remanescente das interpretações mecânicas da vida. Formulado no estilo e no espírito das teorias mecanicistas do século XIX, não ultrapassa os quadros do positivismo e constitui ainda hoje, como teoria, uma re-exposição do naturalismo científico. Como todo positivismo do século XIX, a teoria de Pavlov pretende ser o resultado de um rigoroso método indutivo, uma interpretação da vida fundada em experiência de laboratório, com a redução da qualidade à quantidade, do vital ao inerte, do psíquico ao físico e do espírito à matéria.
O pavlovismo como fisiologia parece ter alcançado qualificação definitiva no mundo da ciência; pragmaticamente seus resultados são conhecidos na pedagogia, na obstétrica, na psiquiatria, na sociologia. Mas o pavlovismo não pretende cin-gir-se ao campo da fisiologia; pretende ser uma nova interpretação dialética da vida, uma nova psicologia, uma nova ginecologia, uma nova teoria da evolução.
As experiências de Pavlov e seus discípulos puseram em relevo um fato que, com denominações diversas, foi reconhecido desde todos os tempos; sucede com o reflexo condicionado o mesmo que com o inconsciente: antes de se tornarem objetos de experiências científicas foram o fundamento de experiências vitais; depois de soterrados pela ciência reaparecem ‘como produtos e descobertas científicas. Assim como o inconsciente, sob diferentes nomes, sempre foi considerado um depósito secreto de vivências esquecidas e atuantes, assim também o reflexo condicionado sempre foi parte importante da experiência educativa; a educação, desde idades remotas se funda na criação de reflexos condicionados aos estímulos adequados a cada cultura: o hábito da repetição dos gestos, das palavras e dos rituais em todas as culturas antigas mostra a importância que se atribuía ao condicionamento das respostas psíquicas e físicas aos sinais fixados em cada tradição; toda disciplina automática é condicionamento de reflexos. A virtude — como o vício — é hábito segundo os escolásticos; e o hábito é moralmente definido como facilidade e prontidão em repetir atos que podem gerar semelhantes. Se a fisiologia dos reflexos não foi objeto de investigações sistemáticas antes de Pavlov, nem por isso é menos evidente que a sua psicologia e a sua prática são de todos os tempos.
A originalidade do pavlovismo não está pois em haver mostrado que existem reflexos condicionados; a originalidade do pavlovismo está em haver procurado esclarecer o mecanismo dos reflexos, transformando-os em objetos de experiências de laboratório. Tais experiências partiram da possibilidade de considerar o organismo vivo como um centro de respostas automáticas aos estímulos do mundo externo. A possibilidade de considerar a vida como automatismo implica uma temática filosófica; e como conjunto de experiências provocadas e fatos verificados, o pavlovismo, abstraída a sua contribuição à fisiologia, se esforça por fundamentar uma filosofia integral da vida, com a introdução até da terminologia hegeliana no campo da reflexologia. [Barbuy]