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sonho

óneiros: sonho

1. A atitude grega comum em relação aos sonhos pode ser ilustrada desde Homero onde são considerados tanto como realidades objectivas, não muito diferentes em qualidade da experiência da vigília, como manifestações de uma experiência interior, alguns aspectos da qual se diluem em simbolismo (ver II. XXII, 199 ss.; Od. xix, 541 ss.). Mas de consequências mais especulativas foi a distinção encontrada em Homero (Od. xix, 560 ss.) entre os sonhos que brotam do «portão de marfim» e que nada mais são do que «ilusão bruxuleante, fantasia» e os do «portão de chifre» que são presságios de coisas futuras, se os mortais souberem interpretá-los. Que os Gregos fizeram tal esforço desde uma data recuada é evidente pela presença de um «intérprete de sonhos» na II. v, 148.

2. Macróbio. no seu comentário ao Somnium Scipionis (1, 3, 2), dividiu os sonhos pressagiosos em simbólicos, visionários e oraculares, aos quais outros acrescentaram o trato direto com um deus ou um daimon, v. g. Sócrates no Críton 44b, Fédon 60e, ou as admonições que levavam frequentemente, segundo o testemunho de Platão (Leis 909e-910a, Epinomis 985c) a dedicações e fundações religiosas. Tentativas para instigar tais sonhos estavam muitíssimas vezes associadas com incubação ou o dormir num lugar sagrado, prática também destinada a provocar curas médicas.

3. O sonho entra na filosofia com Heráclito que o trata como um voltar-se para dentro subjectivo (frg. 89), enquanto Xenófanes começa uma longa tradição racionalista pela completa negação da adivinhação (Diels 21A32; ver mantike) incluindo, provavelmente, os sonhos. Há uma tentativa de teorização em Demócrito que explicou os sonhos pela entrada nos sentidos de vários eidola (q. v.) ou imagens, alguns dos quais prediziam o futuro, e dos quais o homem derivou as suas noções dos deuses, ou melhor, dos daimones uma vez que algumas destas visitações eram funestas (frg. 166). Estas mesmas visões eram para Epicuro provas da existência dos deuses (Lucrécio, De rerum nat. v, 1169-1182; Aécio 1, 7, 34), provavelmente por causa da sua clareza e universal ocorrência. Este sentimento tem eco quase exato no cristão Tertuliano, De anima 47, 2; ver enargeia, prolepsis.

4. Platão acredita na natureza profética (e divinamente inspirada) dos sonhos, e no Tini. 71a-72b oferece uma curiosa explicação fisiológica de como eles funcionam. Têm a sua origem no fígado, que é o instrumento ou meio pelo qual a parte racional (logistikon) da alma comunica os seus pensamentos, agora transformados em imagens visuais, a faculdade apetitiva (epithymetikon). É a presença destas imagens no fígado que dá origem aos sonhos e ao mesmo tempo explica a prática da adivinhação (mantike) pela observação do fígado dos animais.

5. A primeira opinião de Aristóteles sobre os sonhos é próxima das de Epicuro e Demócrito: no De philosophia (frg. 10), embora ele esteja nesta altura a trilhar um caminho afastado da teoria do eidos de Platão, Aristóteles aceita ainda a noção da separabilidade da psyche do corpo, fenômeno que pode ser experimentado nos sonhos, como tinha sido anteriormente assinalado por Píndaro (ver psyche). Para Aristóteles é precisamente esta experiência da alma nos sonhos que conduz à convicção do homem quanto à existência dos deuses. Mas pela altura em que começou a escrever os tratados De insomniis e De divinationi per somnam tinha elaborado uma explicação dos sonhos totalmente fisiológica e nega explicitamente (De div. 462b) a sua origem divina, embora admitindo ainda a sua natureza ocasionalmente profética.

6. A tentativa de Aristóteles para colocar os sonhos num contexto puramente psicofisiológico estava predestinada ao fracasso. Os interesses crescentemente religiosos e éticos da filosofia pós-aristotélica levaram a uma reafirmação da origem divina de, pelo menos, alguns sonhos, enquanto os sonhos falsos podiam ser creditados às causas fisiológicas adequadas, conforme Cícero, De div. 62, 127-128. É típica da sua intrusão na filosofia posterior a preocupação de Iâmblico com os fenômenos do sonho na sua Vida de Pitágoras, onde se faz o antigo filósofo agora lendário aconselhar os seus discípulos a provocarem os sonhos proféticos por meio de «música-propiciatória» noturna (65), e de dieta apropriada (106-107; confrontar D. L. VIII, 24, onde o bem conhecido tabu pitagórico dos feijões é explicado deste modo). A um nível mais popular os testemunhos vão do famoso «livro dos sonhos», os Discursos Sagrados de Aélio Aristides, ao ainda existente Oneirocriticon de Artemidoro de Éfeso, tratado sistemático sobre a interpretação dos sonhos. [Peters]