VIDE onta
ón (tó): ser, ente. Latim (tardio): ens. Plural: ónta (tá) / onta.
Particípio presente neutro substantivado do verbo einai: ser (V. pes. sing.: eimí / eimi: sou). Tradução literal: o ente, o ser sendo.
A ontologia (palavra forjada no século XVII por Clauberg) é a parte da metafísica que estuda o ser como noção universal (de óntos / ontos, genitivo de ón).
Dupla significação: a) o ser singular, o existente; b) o ato de ser, o fato de ser; e daí: o ser em geral, tomado abstratamente; que pode vir a ser, em Platão: o Ser em si, a Essência do Ser, Realidade inteligível.
Aristóteles faz distinções mais sutis: a) ser por acidente (katà symbebekós / kata symbebekos), que se exprime pelo predicado: o homem é músico; e ser por si (kath’hautó / kath hauto), que se exprime pelo sujeito (v. autos); b) o ser como verdadeiro, por afirmação da existência (o ser é aqui contrário ao não-ser, mè ón / me on); c) ser em ato (entelékheia / entelekheia): vidente = que vê atualmente tais objetos; e ser em potência (dynámei / dynamei, dativo): vidente = capaz de ver os objetos (Met., A, 7, E, 2-4, K, 8-9).
E com Parmênides que começa a filosofia do Ser, com o emprego sistemático da palavra ón. Eventualmente ela é encontrada antes dele no sentido concreto: os seres (Filolau, in Estobeu, Ed., I, 21). Atribuíam-se a Arquitas, na antiguidade, duas obras de elaboração mais tardia: um tratado Dos princípios (Peri arkhôn / Peri archon) e um tratado Do ser (Peri óntos / Peri ontos), no qual a palavra ón é empregada correntemente no sentido de ser em geral; a maioria dos críticos, por causa desse vocabulário, rejeita a autenticidade desses tratados; mas não se deve esquecer que Arquitas (t c. 380), embora pitagórico, é duas gerações mais novo que Parmênides (t c. 450) e conheceu sua obra; ademais, ele emprega o dialeto dórico em uso na Magna Grécia: tà eónta / ta eonta em vez de tà ónta (Estobeu, Écl, I, 35, e II, 2). Aliás, Sócrates, contemporâneo de Arquitas, conhece bem a doutrina dos eleatas e emprega o vocabulário deles: “Alguns – constata ele – acreditam que o ser (tò ón) é único (hén / hen) (Xenofonte, Mem., 1,1,14). Euclides de Mégara, aluno de Sócrates, identifica o não-ser com o mal, pois o Ser é o Bem. Górgias, outro contemporâneo de Arquitas, manipula as palavras ón e mè ón no puro estilo eleático. Aliás, ele muda eventualmente de terminologia, adotando einai em lugar de ón, em sua famosa proclamação niilista transmitida por Aristóteles: “Nada (oudén / ouden) existe (ouk eínai / ouk einai); se alguma coisa existe, é incognoscível (ágnoston / agnoston); se existe e se é cognoscível, não pode manifestar-se aos outros” (Sobre Melisso, Xenófanes e Górgias, V; cf. Sexto Empírico, Adv. log., I, 65-87).
Na verdade, a obra de Górgias, Do não-ser e da natureza, que não chegou até nós, é uma resposta a Parmênides ou, mais exatamente, à sua ontologia absolutista. Esta tem como ponto de partida dois axiomas irrefutáveis: o Ser é, e o não-ser não é. Portanto, só há um único Ser (o Uno); pois, se houvesse um segundo (como a díade – dyás / dyas – de Pitágoras), ele seria o não-Ser, ou seja, nada. Daí a perfeição do Ser: “O Ser é incriado e imperecível, pois só ele é perfeito, imutável e eterno.” “O Ser também não é divisível, pois ele é inteiramente idêntico a si mesmo” (fr.VIII, 3-5,22).A mesma doutrina está em Melisso, com o argumento extraído da mudança: “Se o Ser (eón / eon) mudasse, o que é pereceria, e o que não é (ouk eón / ouk eon) apareceria” (fr.VIII, 6). Contra o eleatismo erige-se o atomismo de Leucipo e de Demócrito, que “tomam como elementos o pleno e o vácuo, por eles chamados, respectivamente, Ser e não-ser” (Aristóteles, Met., A, 4).
É também contra a doutrina do Ser de Parmênides que Platão reage no Parmênides e no Sofista, mas de um modo bem diferente do de Górgias. No primeiro diálogo, ele expõe que o Ser verdadeiro é a Essência (eidos / eidos), que é múltipla e compartilha o Ser, que é assim o Universal, ao mesmo tempo uno e múltiplo (162a-b etc). No segundo, mostra que, a partir do momento em que há pluralidade no Ser, todo ser é ao mesmo tempo ser e não-ser, ser por participar do Ser, não-ser por participar do não-Ser (240b-258c); a sorte da ontologia é posta num impasse por Parmênides, que negava o princípio da alteridade em nome do princípio de identidade, e sai desse impasse com Platão. Este aproveita a ocasião para estabelecer os cinco gêneros supremos (eíde mégista / eide megista) das Essências eternas: o Ser (tò ón), o repouso, o movimento, o mesmo e o outro (v. genos). Já em Fédon (78c-d), Platão mostrara que, em cada coisa, o que é (hó esti / ho esti) sempre, ou seja, seu ser (tò ón), é a Essência única que é em si e por si” (auto kath’hautó). v. autos.
Em Aristóteles, a filosofia primeira (he próte philosophía / he prote philosophia), aquilo que chamamos de metafísica, é a ciência do Ser enquanto Ser (tò ón hê ón / to on he on) (Met., T, 1; E, 1; K, 3), ou seja, ela não estuda este ou aquele gênero de seres, mas o Ser enquanto universal (kathólou / katholou). Pois “tudo o que é é chamado ser em virtude de alguma coisa una e comum, ainda que em sentidos múltiplos” (ibid., K, 3).
Para Plotino, o Ser que merece realmente esse nome é o ser verdadeiramente ser (ón óntos ón / on ontos on) (III, VI, 6), que só existe no mundo inteligível (IV, III, 5) e é ao mesmo tempo o objeto de seu próprio pensamento (V,V, 1). Isso aproxima Plotino de Aristóteles, v. noûs / noûs.
1. O verbo esse (ser), em latim, não tem particípio; on, portanto, era intraduzível. Foi na Idade Média que se descobriu um longínquo particípio presente, utilizado por raros autores. Mas ainda se preferia traduzir o particípio on pelo infinitivo esse:”Agens sequitur esse” (O agir decorre do ser). [Gombry]