natureza da quantidade

O próprio termo quantidade evoca imediatamente em nossos espíritos uma multidão de objetas, ou a extensão própria a cada um deles: todo um conjunto de propriedades, divisibilidade, mensurabilidade, localização, etc., ligando-se a esta primeira percepção. Qual desses aspectos exprime mais formalmente a essência mesma da quantidade?

Para Aristóteles, é o fato de constituir um todo divisível em partes intrínsecas distintas. S. Tomás dirá (loc. cit.) : “quantum dicitur quod est divisibile in ea quae insunt”, e precisa que a diferença dos elementos que não existem, senão virtualmente no misto, e diferentemente das, partes essenciais, matéria e forma, que são incapazes de ter uma existência isolada, as partes da quantidade são, como tais, aptas a constituir, verdadeiras coisas. São, dir-se-á em lógica, partes integrantes.

Os comentadores de S. Tomás, João de S. Tomás por exemplo, para definir a quantidade colocam primeiramente o fato de ordenar ou desenvolver as partes relativamente ao todo: a quantidade é assim o que dá à substância o ter partes exteriores umas às outras segundo certa ordem. A concepção precedente, esta acrescenta a precisão de uma situação relativa das partes com relação ao todo; no fundo as duas definições redundam no mesmo.

A concepção de quantidade como ordem de partes se acrescenta imediatamente a propriedade, já assinalada, de divisibilidade, e devido ao fato de serem homogêneas estas partes, a de mensurabilidade.

Refletindo sobre as condições da quantidade, tais como nos aparece no mistério da Eucaristia, onde o Corpo de Cristo é contido sob as espécies do pão com sua quantidade própria, os teólogos vieram a distinguir da ordenação interna das partes da quantidade sua ordenação relacionada aos corpos envolventes, o que se chama sua extensão externa ou espacial. No mistério precedente, é esta última propriedade que se acha miraculosamente privada de seu efeito: o Corpo de Cristo tem ainda, sob a hóstia, suas partes integrantes distintas, mas elas não se relacionam mais a outros corpos, como um lugar.

O fato de serem, na hipótese comum, localizadas, ou de ocuparem um lugar, possibilita enfim para as partes da quantidade a prerrogativa de serem impenetráveis: de potência natural, um mesmo lugar não pode ser simultâneamente ocupado por dois corpos.

Duas grandes formas de quantidade se nos apresentam espontâneamente: a quantidade de extensão ou de grandeza dimensível, e o número. A distinção muito antiga das disciplinas matemáticas fundamentais, geometria e aritmética, apenas transporta para o plano científico esta percepção de senso comum. Nós a reencontramos no peripatetismo, mas aprofundada pela diferença característica da continuidade. A quantidade dimensível é então denominada quantidade contínua ou “concreta”, e a quantidade de multidão, quantidade descontínua ou “discreta”.

Para Aristóteles, o contínuo é uma totalidade na qual as partes não somente se tocam (simples contiguidade) mas também se confundem. A quantidade concreta será portanto aquela na qual as partes não estão atualmente separadas, ou são contínuas “quod est divisibile in partes continuas”. Assim uma linha é divisível em porções de linha na qual as partes estão atualmente confundidas. No interior da quantidade concreta deve-se distinguir: o contínuo simultâneo, linha, superfície, volume, que pertencem por si ao predicamento quantidade, e o contínuo sucessivo, movimento, tempo, que não é quantidade senão de maneira derivada, em razão de seu sujeito, o corpo aumentado ao qual ele implica necessariamente grandeza.

A quantidade discreta é o número, quer dizer a quantidade que pode ser dividida em partes não contínuas: “quod est divisibile secundum potentiam in partes non continuas”. O número ele próprio não pode ser considerado absolutamente, fazendo-se abstração das coisas, contadas, 10 por exemplo, no sentido abstrato: nomeia-se o número numerante; a coleção mesma dos objetos que se conta, 10 homens, chama-se o número numerado. O número é constituído de seus elementos últimos e irredutíveis de unidades, e ele é medido pela unidade. [Gardeil]