natural científico

[245] Como vimos em Schleiermacher, o modelo de sua hermenêutica é a compreensão congenial possível de ser alcançada na relação entre o eu e o tu. A compreensão de textos tem a mesma possibilidade de adequação total que a compreensão do tu. Pode-se ver diretamente no texto a opinião do autor. O intérprete é absolutamente coetâneo com seu autor. Este é o triunfo do método filológico: conceber o espírito passado como presente, o espírito estranho como familiar. Dilthey está totalmente compenetrado desse triunfo. Sobre isso fundamenta sua afirmação de que as ciências do espírito possuem o mesmo padrão. Assim como o conhecimento natural-científico interroga algo presente sempre em relação a uma explicação que é projetada nele, assim o investigador do espírito interroga os textos. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

Isso representa uma provocação para a hermenêutica tradicional. É verdade que na língua alemã a compreensão (Verstehen) designa também um saber fazer prático (“er versteht nicht zu lesen” “ele não entende ler”, o que significa tanto como: “ele fica perdido na leitura”, ou seja, não sabe ler). Mas isso parece muito diferente do compreender orientado cognitivãmente no exercício da ciência. Obviamente, se se olha mais detidamente, surgem traços comuns: nos dois significados aparece a ideia de conhecer, entender do assunto. E mesmo aquele que “compreende” um texto (ou mesmo uma lei) não somente projetou-se a si mesmo a um sentido, comprendendo — no [265] esforço do compreender — mas que a compreensão alcançada representa o estado de uma nova liberdade espiritual. Implica a possibilidade de interpretar, detectar relações, extrair conclusões em todas as direções, que é o que constitui o entender do assunto dentro do terreno da compreensão dos textos. E isso vale também para aquele que entende de uma máquina, isto é, aquele que entende de como se deve tratar com ela, ou aquele que entende de um ofício, ferramenta: admitindo-se que a compreensão racional-finalista está sujeita a normas diferentes do que, p. ex., a compreensão de externalizações da vida ou textos, o que é verdade é que todo compreender acaba sendo um compreender-se. Enfim, também a compreensão de expressões se refere não somente à captação imediata do que contém a expressão, mas também ao descobrimento do que há para além da interioridade oculta, de maneira que se chega a conhecer esse oculto. Mas isso significa que a gente tem de se haver com isso. Nesse sentido vale para todos os casos que aquele que compreende se compreende, projeta-se a si mesmo rumo à possibilidades de si mesmo. A hermenêutica tradicional havia estreitado, de uma maneira inadequada, o horizonte de problemas a que pertence a compreensão. A ampliação que Heidegger empreende, para além de Dilthey, será, por essa mesma razão, fecunda também para o problema da hermenêutica. E verdade que já Dilthey havia rechaçado, para as ciências do espírito, os métodos das ciências da natureza, e que Husserl havia qualificado de “absurda” a aplicação do conceito natural-científico de objetividade às ciências do espírito, estabelecendo a relatividade essencial de todo mundo histórico e de todo conhecimento histórico. Porém agora torna-se visível pela primeira vez a estrutura da compreensão histórica em toda sua fundamentação ontológica, sobre a base da futuridade existencial da pre-sença humana. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

Isso é exatamente o que se tem de reter para a análise da consciência da história efeitual: que ela tem a estrutura da experiência. Por paradoxal que seja, o conceito da experiência me parece um dos menos que possuímos. Devido ao papel orientador que desempenha na lógica da indução, para as ciências da natureza, viu-se submetido a uma esquematização epistemológica que me parece encurtar amplamente seu conteúdo originário. Gostaria de recordar que já Dilthey acusava, no empirismo inglês, uma certa falta de formação histórica. Para nós, que detectamos em Dilthey uma vacilação não explícita entre o motivo da “filosofia da vida” e o da teoria da ciência, essa nos parece somente uma crítica pela metade. De fato, a deficiência da teoria da experiência, que constatamos até hoje, e que afeta também a Dilthey, consiste em que ela está integralmente orientada para a ciência e, por conseguinte, não percebe a historicidade interna da experiência. O escopo da ciência é objetivar a experiência até que fique livre de qualquer momento histórico. No experimento natural-científico consegue-se isso através do modo de seu aparato metodológico. Algo parecido realiza também o método histórico-crítico nas ciências do espírito. Num e noutro caso a objetividade ficaria garantida pelo fato de que as experiências que jazem ali poderiam ser repetidas por qualquer pessoa. Tal como na ciência da natureza os experimentos têm de ser possíveis de comprovação posterior, também nas ciências do espírito o procedimento completo tem que ser passível de controle. Nesse sentido, na ciência não pode restar lugar para a historicidade da experiência. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.