método histórico

O problema geral do método histórico consiste em reconstituir os fatos que não podemos conhecer de maneira direta por meio de documentos, quer dizer, mediante vestígios de toda a ordem, e particularmente de vestígios escritos que esses fatos tenham deixado. A qualidade essencial que este método exige (e desenvolve) é o espírito crítico:. ou, de outra maneira dito, a faculdade de não acreditar nas coisas inconsideradamente porque «alguém disse», ou ainda porque se deseja que tal seja verdadeiro — mas, pelo contrário, inquirir claramente quem o disse; se quem o disse conhecia bem aquilo de que falava; se é possível fiarmo-nos dele; se não era homem para afirmar coisas no ar e pelo prazer de parecer bem informado; se não teria interesse em enganar-se, ou em enganar-nos — numa palavra, a faculdade de ponderar as provas e os testemunhos a fim de apreciar, sem precipitação nem prevenção, o seu alcance e valor. A este respeito, a situação do historiador asseme-lha-se muito à do juiz, particularmente do juiz de instrução, quando estuda a parte de um processo concernente a uma questão de fato: muitas vezes são da mesma natureza os problemas que vêm a pôr-se nos dois casos.

A primeira fase do método histórico é a procura de documentos, ou heurística. Esses documentos são de toda espécie: tradições (os mais frágeis, quase nunca podemos confiar neles); inscrições, monumentos, estátuas, baixos-relevos, medalhas; para a época moderna testemunhos autênticos, papéis conservados nos arquivos e bibliotecas, leis, decretos, diplomas, tratados, relatórios, instruções; memórias dos contemporâneos, cartas, jornais, etc. Para conhecer todos os documentos acessíveis relativos ao ponto a estudar, o trabalho de pesquisas preparatórias é muitas vezes considerável. Só para compreender o que os autores quiseram dizer (embora com reserva da sua exatidão e veracidade) são já necessários conhecimentos variados: linguísticos, filosóficos, paleográficos, por vezes jurídicos e científicos. Esses conhecimentos necessários diferem naturalmente segundo o assunto e segundo a época estudada. Uma regra essencial é ir às fontes. Por exemplo, não se pode estudar utilmente a história grega sem saber o grego; para abordar a história da física é preciso não só conhecer suficientemente a física no seu estado atual, mas dominar a língua do período que se quer estudar, com todas as suas particularidades — por exemplo, o latim muito especial que escreviam os físicos dos séculos xv e xvii. Uma e outra coisa são necessárias: sem erudição semântica podemos realizar interpretações errôneas; sem o conhecimento técnico atual não se sabe o que vale ou não a pena ser relevado, o que pode ser retido como fato histórico; porque, para períodos não muito afastados de nós, podemos encontrar vestígios de uma multitude de fatos insignificantes, sendo mau método fazer pesquisas sobre eles, quando há tantas coisas úteis e importantes a esclarecer.

Achados os documentos, devemos em seguida criticá-los. Não é fácil!

André Lalande (philosophe), Lectures sur la Philosophie des Sciences, pp. 239-241.