Se nos voltarmos para Tomás de Aquino, as coisas se complicam novamente. De modo geral, pode-se dizer que se encontram na sua obra dois grandes conjuntos de textos referentes aos problemas metafísicos.
Um é constituído pelo comentário dos doze primeiros livros da Metafísica de Aristóteles. A despeito do que se disse algumas vezes, no que toca à verdadeira intenção deste comentário, é preciso sustentar que seu autor entendeu, compondo-o, fazer uma obra autenticamente filosófica: é o seu próprio pensamento que encontramos aí, ao mesmo tempo que o do Estagirita. Mas se nos dermos conta do caráter composto do texto explicado e se, por outro lado, considerarmos as importantes elaborações pessoais que Tomás de Aquino nos deixou, devemos concluir que tal comentário não é suficiente para nos fazer conhecer, com toda sua riqueza e toda sua amplitude, a metafísica do Doutor angélico. O segundo conjunto se encontra no seu estudo teológico do Deus uno (De Deo uno), como também na Suma Teológica (Ia p.a, q. 2-26), no Contra Gentiles (I), e em outros textos paralelos (Questões Disputadas, Opúsculos etc…). Aqui, o pensamento do Doutor angélico se exprime incontestavelmente com mais liberdade do que no seu comentário e atinge toda sua profundidade; mas se vê com isto implicado nas perspectivas de uma teologia sobrenatural.
Em definitivo, a obra de Tomás de Aquino nos dá ao mesmo tempo uma metafísica de caráter e de ordenação puramente filosóficos, mas um pouco fragmentária e incompletamente elaborada, e uma metafísica mais orgânica e mais aprofundada, mas que tem para nós o inconveniente de estar compreendida em uma pesquisa teológica. Existe, apressemo-nos em dizê-lo, uma coerência doutrinal, em todos os sentidos notável, entre os dois conjuntos, mas as perspectivas e as preocupações são diferentes em ambos. Por outro lado, no momento em que se deseja apresentar uma exposição coerente, é preciso necessariamente optar por um ou outro destes pontos de vista: o de uma metafísica progressiva, de caráter propriamente filosófico, onde nos elevamos do ser experimentado a Deus (ponto de vista do comentário); e aquele de uma metafísica sintética, segundo o qual a estrutura do ser criado se vê justificada desde o princípio a partir do ser primeiro (ponto de vista do tratado de Deus).
Sem com isto renunciar aos complementos preciosos dos tratados de teologia, não podíamos adotar para a nossa exposição senão a marcha filosófica pregressiva da Metafísica. Partindo do ser tal qual ele nos é dado de modo imediato, nos elevaremos até Deus, que nos aparecerá ao mesmo tempo como o termo último de nossas indagações e a pedra de toque de nossa construção especulativa. Restaria, para se ter uma ideia exaustiva da metafísica de Tomás de Aquino, retomar em seguida, nas perspectivas do tratado de Deus, os grandes temas elaborados precedentemente; construir-se-ia assim uma espécie de metafísica descendente: ser-nos-á necessário deixar esta tarefa a exposições mais aprofundadas. [Gardeil]