localização

VIDE: res extensa

Temos a propensão de dar a tudo uma localização espaçotemporal, fixa e unívoca, um existir confinado numa presença determinada e aferente. As quais estão aqui ou ali e, obrigatoriamente, se estão aqui não estão ali. É a falsa doutrina da localização simples dos eventos, apontada com presteza por Whitehead, e um dos hábitos mentais mais conaturais e falaciosos do nosso espírito. [VFSTM:158]


O homem, em seu rancor ao mundo, em sua alma servil e ressentida, passou a deificar-se na medida em que respeitava uma forma de descompromisso com a vida e com a aparência, em outras palavras, com o pluralismo do Erscheinungswelt [mundo dos fenômenos; mundo fenomênico]. Cada coisa foi posta em seu lugar, foi aprisionada num situs, foi confinada ao seu rincão solitário e irrelativo. Cada aparência foi humilhada e aprisionada, foi remetida ao ergástulo de sua simples localização. A minimalização do ódio transforma portanto as aparências em transcendências-transcendidas, em formas abatidas e superadas, pois a supressão do telurismo era a glória da alma espiritual-subjetiva. O impulso ciumento da subjetividade como vontade de si, como por-si, foi o princípio determinante de um universo de representações mortas e simplesmente localizadas. Diante da res cogitans surge o ingente mecanismo da res extensa, traduzido numa ordem de fatos causalmente relacionados. Não devemos esquecer-nos entretanto que a Natureza, compreendida então como ordem de fatos, apresentou-se como uma particular interpretação imposta à experiência viva do mundo. A transcendência projetiva do sujeito constitui a gênese física ou como campo da matéria manipulável.

Poderíamos agora indagar o que aconteceria se libertássemos as coisas do “peso”, da “escravidão” do pensamento científico manipulador, do “peso” da consciência trabalhadora. O que aconteceria se libertássemos as coisas do ostracismo, do existir-só-aqui, a que foram compelidas?

É óbvio que passariam a existir numa forma ex-cêntrica e difusa, numa forma des-comprimida, transcendendo todas as suas eventuais localizações. O reino de sua operação seria o reino do seu ser e o seu ser seria realmente a sua operação omnímoda. Estaríamos diante de manifestações erráticas e incircunscritíveis, de fenômenos em que o ir-além do movimento suplantaria qualquer determinação rígida e substancial. O sentido errático das manifestações levar-nos-ia à ideia da diacosmese do princípio visado de sua existência enquanto Weltaspeckt ou como modo-se-ser do mundo. [VFSTM:160]